Mais segurança e leveza no ar

Já pensou em viajar num avião todo colado com adesivos? Parece brincadeira, mas uma nova técnica que substitui soldas e rebites por autocolante na montagem de aeronaves pode torná-las mais leves e seguras. É o que sugere a pesquisa de mestrado do engenheiro mecânico Fabrício Fanton, desenvolvida na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Mas calma, não são quaisquer adesivos. O material testado por Fanton para prender as peças dos aviões é produzido a partir de polímeros sintéticos com alta resistência mecânica. “Esses polímeros são sintetizados quimicamente, oferecem uma infinidade de desenhos possíveis e são costurados para atender a cada aplicação desejada”, explica o engenheiro.

O material usado para prender as peças dos aviões é produzido a partir de polímeros sintéticos com alta resistência mecânica

Chamado adesivo estrutural ou juntas adesivas, o material já é usado na indústria aeroespacial e aeronáutica desde o início do século 20. A primeira aplicação do adesivo foi na estrutura de madeira do avião Mosquito, em 1940, durante a Segunda Guerra Mundial.

Agora, a indústria investe no desenvolvimento e aprimoramento da técnica para ser usada em aviões com chapas de alumínio, como é o caso do projeto de Fanton. O trabalho foi orientado pelo engenheiro mecânico Paulo Sollero, professor da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp.

As vantagens oferecidas

Atualmente, a estrutura de fuselagem da maioria das aeronaves comerciais consiste em uma casca fina feita de chapas de ligas de alumínio. Estas são unidas por peças que reforçam a estrutura, como reforçadores e cavernas.

Nas áreas de maior concentração de tensão dos aviões, como ao redor de portas e janelas, ou que recebem maior impacto, como a ligação de trem de pouso e as asas, existem reforços especiais.

Para diminuir o peso, em áreas menos críticas, a chapa de alumínio passa por um processo químico para ficar mais fina. No entanto, isso gera grande desperdício de material. Já em algumas áreas de grande tensão, são instaladas chapas adicionais, chamadas doublers, fixadas por rebites. A colocação dessas chapas exige alta precisão de perfuração, o que aumenta o tempo e o custo de montagem.

Em contrapartida, a tecnologia proposta por Fanton, chamada doubler colado, consiste em duas ou mais chapas sobrepostas, unidas pelo adesivo estrutural. Ao promover a maior integração das peças, deixa a aeronave mais segura, além de substituir o rebite dos doublers convencionais, tornando-a mais leve. Além disso, seu uso reduz ou mesmo elimina a necessidade de as chapas de alumínio passarem por processos químicos.

Técnica doubler colado
Exemplo de estrutura de fuselagem convencional reforçada por ‘doubler’. A técnica consiste em duas ou mais chapas sobrepostas, unidas por adesivo especial. (imagem cedida por Fabrício Fanton)

“Os doublers colados também diminuem o tempo de montagem, o que pode acarretar em menores custos”, complementa Fanton. Segundo ele, as peças coladas, quando bem dimensionadas, conferem ainda maior equilíbrio à estrutura, o que resulta em menor fadiga – desgaste causado pela repetição cíclica dos movimentos da aeronave – e em potenciais reduções de peso da aeronave.

Os testes realizados

Em seus experimentos, Fanton recorreu a programas de computador para fazer simulações considerando diversas características físicas dentro e fora da aeronave. A partir delas foi possível criar um protótipo digital para a utilização de doublers colados com a mesma resistência das tecnologias convencionais, mas com a utilização de menos material.

Na fase mais experimental do estudo, ensaios com amostras do material de construção dos doublers colados e painéis representativos de parte da fuselagem de uma aeronave em escala de tamanho reduzida foram realizados no Departamento de Mecânica Computacional da FEM, na Unicamp.

Simulador da técnica doubler colado
Software simula funcionamento de aeronave com ‘doublers’ colados. À direita, o engenheiro mecânico Fabrício Fanton em procedimento experimental na Unicamp. (imagens cedidas pelo pesquisador)

Já os testes em escala real do avião se encontram em andamento em uma empresa do setor aeronáutico. Fanton, atualmente em seu doutorado, auxilia essa fase do trabalho com a realização de simulações numéricas.

Os testes mostram que, mesmo com a utilização de menos material, a junta colada é mais segura – quando comparada às juntas rebitadas – no processo de fadiga, uma vez que não contém concentradores de tensão e o adesivo retarda o aparecimento de fendas na estrutura da aeronave.

Apesar de todas as vantagens, os adesivos estruturais ainda não estão prontos para o mercado da aviação, sobretudo pelo alto custo de sua produção. Outra questão que ainda precisa ser solucionada é a resistência dos adesivos à degradação pelo meio ambiente. Fanton explica que certos tipos de solventes líquidos podem provocar dissolução ou expansão no material. Além disso, a exposição dos polímeros à radiação e ao calor pode promover a deterioração da sua estrutura.

Déborah Araujo
Ciência Hoje On-line