Cientistas detectaram, em amostras de saliva e urina de pacientes, a presença do vírus zika em sua forma ativa, isto é, ainda capaz de se multiplicar. O anúncio foi feito nesta sexta-feira (5/2) em uma coletiva de imprensa na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), onde a descoberta foi realizada. Até agora, já se sabia que era possível encontrar fragmentos do material genético do zika nesses fluidos corporais. No entanto, esta foi a primeira vez que se verificou a multiplicação do vírus em culturas de células tratadas com o material extraído das amostras de saliva e urina de pacientes. “É uma evidência mais robusta”, enfatizou o presidente da instituição, Paulo Gadelha. A descoberta aumenta os rumores sobre a possibilidade de transmissão da doença pelo contato com os fluidos – uma hipótese ainda sem comprovação científica.
Em janeiro deste ano, a equipe do Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus da Fiocruz, sob a liderança da virologista Myrna Bonaldo, iniciou uma pesquisa que consistia em isolar, de amostras coletadas enquanto os pacientes apresentavam sintomas da doença – como exantema –, o material genético do zika, para, em seguida, colocá-lo em contato com células Vero, comumente utilizadas em estudos deste tipo de vírus – que inclui, por exemplo, dengue e febre amarela, entre outros. O passo seguinte era observar, diariamente, se o zika se multiplicava ali. “Observamos isto primeiro em uma amostra de urina e, depois, em amostras de urina e saliva de um mesmo paciente”, contou Bonaldo.
Agora, é preciso entender melhor o que isso significa em relação às vias de transmissão do zika. Será possível que ele seja transmitido pelo compartilhamento de copos e talheres, por exemplo? Parece improvável. Segundo os pesquisadores, o vírus é bastante sensível a mudanças de pH em seu ambiente, o que o impediria de sobreviver aos ácidos gástricos. Mas e se uma pessoa com uma ferida na boca beijasse outra que estivesse contaminada, o vírus poderia cair diretamente em sua corrente sanguínea? Talvez. A (angustiante) verdade é que ainda existem mais perguntas do que respostas.
Ainda não se sabe quanto tempo os cientistas levarão para testar a possibilidade de transmissão do zika por urina ou saliva, mas os protocolos para essas pesquisas já estão sendo desenvolvidos. É um desafio muito grande, no entanto, fazer isso em um país como o Brasil, onde o mosquito Aedes aegypti – vetor comprovado da doença – está disseminado por toda parte. Nos Estados Unidos, em uma região onde o mosquito não está presente, uma pessoa se infectou com zika após contato sexual com outra, previamente infectada, o que demonstrou a possibilidade de transmissão sexual.
“Para comprovar uma via de transmissão de um vírus é preciso juntar muitas evidências”, explica Bonaldo. “É preciso unir estudos epidemiológicos e pesquisas nas bancadas dos laboratórios”. Um caminho possível é estudar famílias onde houve vários casos de zika. A cientista também disse que se estuda a possibilidade de usar modelos animais para investigar as vias de contágio.
Ela afirmou, ainda, não ter conhecimento de pesquisas que mostrassem a presença do vírus ativo da dengue – outro flavivírus de grande importância epidemiológica no Brasil – em amostras de saliva e urina. “Para o vírus-do-oeste-do-Nilo, que também é um flavivírus, já existem essas evidências, mas não tenho conhecimento de estudos sobre o impacto epidemiológico disso”, esclareceu.
Wilson Savino, diretor do Instituto Oswaldo Cruz – unidade da Fiocruz onde o Laboratório de Flavivírus está alocado – destacou a importância da cooperação científica entre as instituições para responder com agilidade às questões que a nova doença nos coloca. A Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro anunciou ontem (4/2) a criação de seis redes de pesquisas voltadas ao desenvolvimento de estudos sobre zika, chicungunya e dengue, que reunirão cerca de 400 cientistas e, nos próximos dois anos, receberão um investimento da ordem de R$ 12 milhões.
Até que se comprove ou refute a hipótese da transmissão do zika por contato com urina ou saliva contaminadas, há apenas uma recomendação de cautela para as gestantes, um grupo particularmente sensível aos efeitos mais devastadores da doença. A própria Fiocruz já mostrou que o vírus é capaz de atravessar a placenta e, em novembro passado, o Ministério da Saúde declarou ter comprovado a relação entre a infecção por zika e o desenvolvimento de microcefalia nos bebês. “[Diante da possibilidade de novas vias de transmissão], aconselhamos as gestantes a evitarem, por exemplo, aglomerações de pessoas, onde seria fácil se contaminar por saliva”, disse Gadelha. Em bom e velho português: pelo sim, pelo não, não custa se precaver. Vale ressaltar, porém, que, por enquanto, a principal estratégia de contenção do vírus zika continua sendo o controle do A. aegypti. “O vetor é o grande transmissor do zika”, afirmou Gadelha.
Catarina Chagas
Instituto Ciência Hoje/ RJ