Uma das metas da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a malária é que até 2025 seja produzida uma vacina com alto grau de imunização contra a doença. No entanto, até hoje nenhuma candidata conseguiu se aproximar desse objetivo. Mais um passo nessa direção foi dado por um estudo publicado na revista Science desta semana. Testes clínicos iniciais mostraram bons resultados de um imunizante baseado na forma infectante do parasita atenuada e trouxeram mais informações sobre os mecanismos imunológicos associados à doença. No entanto, a grande quantidade de doses necessárias e a utilização de via intravenosa representam grandes obstáculos à nova vacina.
Nos últimos anos, intervenções para o controle da malária, como a utilização de testes rápidos de diagnóstico e drogas mais potentes, têm reduzido a morbidade e a mortalidade relacionadas à doença. No Brasil, os números têm caído, embora a expansão das atividades humanas para a Amazônia preocupe. Mesmo assim, em 2012, foram registrados 220 milhões de casos e um milhão de mortes por malária no mundo.
Por ser o responsável pelas manifestações mais graves da doença e também o mais estudado dos protozoários causadores da malária, o Plasmodium falciparum serviu como base para a vacina, que foi testada em 40 indivíduos, submetidos a diversos regimes de aplicação, todos por via intravenosa.
Os melhores resultados foram obtidos pelo grupo que recebeu a maior dosagem (1,35×105 esporozoítos – estágio infectante do parasita – por dose) em dois regimes: o de quatro aplicações, separadas entre si por quatro semanas, obteve 60% de proteção contra o P. falciparum; e o de cinco aplicações, semelhante ao anterior, mas com a última aplicação sete semanas após a quarta, foi 100% eficiente.
Os resultados mostram uma forte relação entre proteção, dosagem e intervalo entre as aplicações que precisa ser mais estudada. “Ainda não sabemos ao certo quais desses fatores foram mais determinantes na proteção induzida, por isso, os próximos testes irão avaliar novas combinações, em busca de mais proteção”, diz um dos autores do estudo, o imunologista Robert Seder, do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Endêmicas, dos Laboratórios Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH).
Mais testes
Apesar das perspectivas animadoras, são muitos os pontos que precisam ser avaliados: um deles é a própria via de administração da vacina. “Para evitar reações adversas e garantir a maior adesão da população, o ideal são vacinas com poucas doses e o menos invasivas possível, bem diferentes dessa”, avalia o especialista em biotecnologia Rodrigo Stabeli, vice-presidente de pesquisa e laboratórios de referência da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
A opção intravenosa, no entanto, foi resultado de testes anteriores com primatas e humanos e mostrou mais eficiência que as vias subcutânea e intramuscular. “Para uma aplicação ampla, teremos que rever o método, mas primeiro vamos comprovar sua eficiência”, explica Seder. “Uma vacina como essa já poderia imunizar viajantes, militares e pessoas que vivam em áreas de grande risco.”
Outra questão a ser estudada é o tempo de imunização: os voluntários foram testados com o protozoário três semanas depois da última dose de vacina e acompanhados por mais três semanas – os próximos testes deverão avaliar períodos de até um ano. “Produzir imunidade duradoura é crítico e tem sido o ponto problemático de todos os candidatos vacinais contra a malária”, avalia Stabeli. Já o imunologista Claudio Ribeiro, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), pondera: “A cobertura ideal é relativa; imunizar por um ano já pode proteger viajantes e servir como ferramenta importante no esforço de eliminar o P. falciparum do Brasil, por exemplo.”
Falando no Brasil, a vacina também deve ser testada, em 2014, contra outras espécies do parasita, como o P. vivax, mais comum no país. Para Stabeli, trata-se de um desafio e tanto: “A variabilidade dos mecanismos usados pelo plasmódio para burlar nosso sistema imune e invadir o organismo é muito grande e as diferenças biológicas entre as espécies aumentam ainda mais as dificuldades.”
Ribeiro destaca que essa estratégia do protozoário, que leva o corpo a produzir muitas respostas pouco úteis no combate à infecção, deve ser mais estudada. “Em especial, se queremos criar uma vacina baseada no parasita, é preciso otimizar esse processo, evitar respostas desvirtuadas”, avalia. “Outras vacinas, que também atuam sobre a fase inicial da infecção, mas utilizam bactérias ou fungos para expressar apenas antígenos específicos, levam vantagem nesse sentido.”
Irradiação e imunização
A técnica utilizada na vacina, a irradiação do mosquito transmissor, o anófeles, para obtenção de esporozoítos irradiados é conhecida há 40 anos. Ela produz alterações no DNA do parasita, que continua capaz de infectar o organismo, mas não de completar seu desenvolvimento. No hospedeiro, ele estimula o sistema imunológico a produzir linfócitos T, responsáveis pela imunidade celular, e anticorpos, em especial, no fígado.
Já se sabia também que esse tipo de imunidade poderia ser induzido pela exposição a picadas de milhares de mosquitos irradiados contaminados. “É como uma analogia ao processo de imunização clínica natural de populações que vivem muito tempo em áreas endêmicas crônicas”, explica Stabeli. “Essas pessoas têm o plasmódio no organismo, mas não apresentam sinais clínicos e se tornam mais resistentes a novas infecções.”
Essa foi, no entanto, a primeira vacina a obter resultados expressivos baseados nesse conhecimento. “O que esse artigo ilustra é o refinamento de uma técnica conhecida há quatro décadas”, diz Ribeiro.
Na avaliação do pesquisador do IOC, a maior contribuição da pesquisa norte-americana não é o resultado dos testes clínicos, mas as informações novas sobre a resposta imunológica do organismo à malária. “O estudo detalha mais esses mecanismos, o que é fundamental para o combate à doença, mas ainda precisa provar que é possível desenvolver uma vacina em larga escala com essa técnica”, analisa.
Seder também destaca esse aspecto dos resultados: “Ao conhecer melhor o processo de resposta das células T e dos anticorpos à malária, podemos conseguir pistas importantes para o desenvolvimento desse e de outros imunizantes.”
Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line