Mamonas do bem

Quem sofre de alergia sabe: o jeito é evitar o contato com o agente causador do problema. Um novo medicamento desenvolvido a partir do estudo do mecanismo de ação das proteínas alergênicas da mamona – um fruto de alto potencial tóxico e alérgico – tem apresentado resultados promissores em laboratório.

Ilustração
Ilustração do mamoneiro (‘Ricinus communis’) e seus elementos feito pelo alemão Franz Eugen Köhler, em 1887 (imagem: Wikimedia Commons). <br />

Desenvolvido pela equipe da bioquímica Olga Lima Tavares Machado, do Laboratório de Química e Função de Proteínas e Peptídeos, da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), o medicamento mostrou ser capaz de impedir – em ratos – a liberação de histamina.

Essa substância, presente em células do organismo, entra na corrente sanguínea quando em contato com substâncias causadoras de alergias (os alérgenos), gerando os sintomas incômodos que as acompanham. 

“Em um primeiro contato com proteínas alergênicas, algumas células do organismo desenvolvem a produção de anticorpos”, explica Machado. Dependendo do tipo e quantidade de anticorpos produzidos por cada um, isso pode levar ou não ao desenvolvimento de uma alergia.

O organismo afetado só sente os efeitos da alergia num segundo contato com a fonte causadora, quando o corpo reage liberando a histamina – e lá vêm os sintomas. 

O primeiro contato com as proteínas alergênicas desencadeia a produção de dois tipos de anticorpos: IgG (imunoglobulina G) e IgE (imunoglobulina E). O IgG tem a função de defender o organismo e retirar dele a substância alérgena.

“O medicamento impede a ligação do IgE como alérgeno, evitando a liberação de histamina e o desenvolvimento dossintomas da alergia”

A função do IgE não é totalmente esclarecida, mas ele é produzido em maior quantidade nas pessoas com propensão a alergias. Quando há o segundo contato desses indivíduos com o agente causador, esse anticorpo se associa aos alérgenos, o que desencadeia a liberação de histamina.

“O medicamento que desenvolvemos impede justamente a ligação da IgE com o alérgeno, evitando a liberação de histamina e o desenvolvimento dos sintomas da alergia”, explica Machado.

O remédio se liga aos anticorpos IgE e impede, assim, que eles se associem ao alérgeno. A solução foi desenvolvida a partir de aminoácidos identificados no estudo da mamona, e que podem ser produzidos quimicamente.

A pesquisa já resultou numa patente e busca agora as doses adequadas e a melhor via de administração para ser adotado como medicamento em seres humanos.

Vantagens

O ‘bloqueador de IgE’ – como o medicamento vem sendo chamado pelos pesquisadores – atua de forma diferente dos anti-histamínicos existentes. “Grande parte dos medicamentos à disposição no mercado atua somente após a reação alérgica”, diferencia a bioquímica, lembrando ainda que muitos deles provocam sono.

O bloqueador foi desenvolvido a partir da análise de moléculas das proteínas alergênicas da semente de mamona (albumina 2S). O ponto de partida foi elucidar a região da molécula que interage com o IgE (o chamado epitopo). “A partir deste conhecimento, encontramos uma substância que impede essa ligação”, conta a pesquisadora.

Solução não só para a alergia à mamona, como também a outros alérgenos

Matéria-prima para o biodiesel, a mamona é conhecida por sua propensão a desenvolver alergias e por sua elevada toxicidade (devido à presença de ricina, uma substância que pode inclusive levar à morte).

Para os que trabalham em plantações de mamona ou vivem por perto, o medicamento pode ser uma solução não só para a alergia à mamona, como também a outros alérgenos.

“O pólen da mamona possui substâncias alérgenas que podem se dispersar no ar, provocando não só alergia à planta, mas permitindo o desencadeamento de sensibilidade a outras proteínas alergênicas, como as contidas nas poeiras do ar, em peixes, no camarão e em outros alimentos”, explica a pesquisadora.

Tais ocorrências são chamadas de reações cruzadas. Os testes do medicamento feitos em células de ratos conseguiram impedir também essas reações.

Aproveitamento de resíduos

Mamoneiro
Mamoneiro carregado de frutos. O óleo é usado para produzir biodiesel e cosméticos, entre outros (foto: Sergio Oliveira – CC BY-NC-SA 2.0).

Com a extração do óleo da mamona, produz-se uma grande quantidade de resíduos, conhecidos como ‘torta de mamona’. Rica em proteínas, ela só pode ser aproveitada como adubo, devido à presença de substâncias tóxicas (como a ricina e a albumina 2S).

Para que o material possa ter um destino melhor, o grupo de pesquisadores vem desenvolvendo formas de desativar os agentes tóxicos e alergênicos, e já chegou a algumas técnicas eficientes.

“A torta modificada está sendo usada na alimentação de peixes, e temos previsão de incluí-la numa ração para aves”, diz a bioquímica.

Mamonas transgênicas

De acordo com a pesquisadora, o estudo da região do alérgeno que se liga à IgE não permitiu apenas desenvolver o medicamento que está em fase de testes. Esse conhecimento poderá ser útil para criar uma vacina, que serviá para prevenir alergias decorrentes do contato com a mamona e aquelas geradas por reações cruzadas. 

“Poderemos contornar a atividade alergênica da mamona sem desativar a proteção natural da planta”

A próxima etapa do trabalho é concluir o estudo da molécula da mamona para desenvolver transgênicos que tenham menor potencial alérgico ao homem. Mas sem desarmar as defesas naturais da planta.

Machado explica que as substâncias que nos causam alergia são componentes de defesa da mamona, e protegem-na do ataque de predadores, como fungos e insetos.

“Conhecendo a molécula como um todo, poderemos contornar a atividade alergênica da mamona sem desativar a proteção natural da planta”, prevê a pesquisadora. 

Debora Antunes
Ciência Hoje On-line