Mancha negra no mar

 

Em 1830, Abrolhos e sua biodiversidade atraíram Charles Darwin para o estudo de espécies da flora e da fauna brasileira. Quase dois séculos depois, uma pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) percebeu que nem só de animais exuberantes e belezas naturais vivia o arquipélago. Ao observar rastros negros deixados no mar pelos barcos da região, a bióloga Roberta de La Verne da Cruz Jorge decidiu investigar como a poluição afeta a vida dos animais marinhos.

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Mexilhões Perna perna aderidos às rochas, no fundo do mar, e fora d’água

O estudo foi concluído em agosto e analisou mexilhões da espécie Perna perna –moradores das conchas marrons que aparecem nos costões das praias brasileiras. Ao final de cinco anos, a pesquisa mostrou que poluentes despejados no mar têm prejudicado seriamente a formação e o funcionamento do organismo desses animais. Mas por que logo mexilhões?

Quem vê o par de conchas tão junto e difícil de abrir talvez não faça idéia de como eles estão expostos à poluição. Trata-se de um dos poucos animais marinhos que absorvem tudo ao seu redor, seja alimentos ou poluentes. Além do mais, vivem fixos a pedras, o que os impede de arquitetar uma possível fuga pelos oceanos.

Assim, quem teve de correr atrás dos animais foi Roberta. Para isso, ela foi até o Centro de Biologia Marinha da USP em São Sebastião, litoral norte de São Paulo. Ali reuniu tubos de ensaio, aquários, elementos tóxicos comumente jogados nas águas e larvas dos mexilhões: estava pronta a miniatura de mar poluído.

O nome dos poluentes utilizados na simulação pode até assustar, mas eles são figurinhas fáceis em nosso cotidiano. O benzeno vem do petróleo, combustível para indústrias e automóveis; o dodecil sulfato de sódio faz parte da fórmula dos detergentes; já o sulfato de zinco está na pintura dos navios, enquanto o cloreto de amônia escoa diariamente pelo esgoto das casas.

Larvas fecundadas, Roberta começou a observar seu comportamento na presença dos poluentes. Após pouco mais de um dia, os animais já apresentavam falta ou desenvolvimento incompleto das conchas, além de variações nas taxas de consumo de oxigênio e na excreção de amônia — indicadores de poluição.

 

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Larva do mexilhão Perna perna em condições normais (esq.) e após contato com poluentes (dir.). Fotos: Roberta A.D.L.V.C. Jorge

Esses distúrbios indicam o risco do despejo de elementos tóxicos nos rios e mares. No entanto, é preciso relativizar as conclusões do estudo, realizado em um local controlado e com apenas quatro poluentes — sua ação tóxica pode aumentar ou diminuir em função de aspectos como a dinâmica das marés, a temperatura da água ou a radiação solar.

 

Por outro lado, cada ambiente marinho tem sua especificidade. Regiões de mar aberto — como o próprio arquipélago de Abrolhos –, mesmo poluídas pelo diesel dos barcos, são bem menos prejudiciais para a fauna marinha do que locais onde aportam navios.

Ainda assim, fica o alerta da bióloga para quem costuma ignorar o limite máximo permitido de poluentes despejados direta ou indiretamente no mar e, sobretudo, para quem não fiscaliza essa prática como deveria. “Sem larva não há mexilhões e sem mexilhões não há novas larvas que dêem continuidade às espécies.”

 

Para maiores detalhes, entre em contato
com Roberta de La Verne da Cruz Jorge.

Rafael Barros
Ciência Hoje On-line
03/09/03