Populações Algum pensador anônimo deixou registrado na parede de um sanitário masculino da Universidade de São Paulo (USP): “Banheiro também é cultura”. Renata Plaza Teixeira, que fez doutorado em psicologia na USP, concorda. Em sua tese, a pesquisadora estudou as diferenças sexuais e interculturais das inscrições encontradas nos banheiros de universidades. “Os grafitos representam uma cultura marginal, feita por pessoas que não têm outros meios de divulgar seus ideais”, explica.
Inscrições em banheiro masculino norte-americano.
O sexo foi tema recorrente nos banheiros de todos
os países estudados (foto: Luís Augusto Barbosa)
Renata estudou 212 sanitários distribuídos por Brasil, Itália, Espanha, Estados Unidos e Alemanha e, entre palavras soltas, frases e desenhos, coletou 5.446 pichações. A autora e seus colaboradores copiaram fielmente as inscrições e, quando possível, registraram-nas também em fotografias. Foram quase quatro anos vasculhando paredes, tetos, tampas de vaso sanitário, batentes de porta e encanamentos expostos. Sempre que um banheiro masculino era visitado, o feminino correspondente também era.
Após a coleta de dados, as pichações de conteúdo verbal foram divididas em 24 categorias como relacionamento, desabafo, sexo, preconceito, religião ou humor (clique aqui para ler exemplos de cada categoria). Para analisar, além do conteúdo, a forma das inscrições verbais, estas foram classificadas também de acordo com sua estrutura (lexical, frasal, textual, abreviações e números).
A análise dos resultados mostrou que brasileiros e brasileiras só pensam naquilo: o sexo foi o tema predominante das pichações dos banheiros masculinos e femininos, com 34,7% e 50% das inscrições, respectivamente. As mulheres de todos os outros países estudados, com exceção da Alemanha, revelaram-se mais românticas em suas pichações, embora tenham escrito também sobre desesperança no amor.
A Símbolo socialista em banheiro feminino
na Alemanha (foto: Ana Valéria S. Celestino)
Entre os homens, italianos e espanhóis escreveram mais sobre política, enquanto a predominância entre os anglo-saxões foi de inscrições preconceituosas contra estrangeiros. “De maneira geral, as mulheres mostraram-se mais interessadas por temas privados e os homens expressaram maior preocupação com assuntos públicos”, resume a pesquisadora.
O título da tese — Sob a proteção da Vênus Cloacina — evoca a divindade romana protetora de tudo o que é sujo e obsceno. Seu santuário havia sido erguido sobre a Cloaca Maxima, o sistema de esgoto da Roma antiga. A associação sugere que as pichações, além de meio de comunicação, são também ’válvula de escape’.
Segundo Renata, as inscrições refletem que o banheiro é um lugar de desabafo, onde as pessoas, protegidas pelo anonimato, revelam detalhes da sua intimidade, dúvidas existenciais, questões políticas e preconceitos. “A pessoa se despe literal e metaforicamente”, afirma. Por essa razão é possível encontrar, nas paredes dos sanitários, palavrões e piadas que muitos não ousariam proferir pessoalmente. O sexo, por exemplo, tabu em várias sociedades, é assunto de destaque nos banheiros femininos e masculinos.
O Brasil foi o país com o maior número de inscrições por
banheiro (36), enquanto os EUA tiveram o menor índice (16)
Renata estuda pichações desde a sua graduação e, em uma outra pesquisa, concluiu que essa forma de manifestação está presente nas diversas culturas desde a Antigüidade — ela observou em sítios arqueológicos na Itália muitas inscrições nas paredes de ruas, banhos públicos, banheiros, bordéis e ginásios. A pesquisadora pretende publicar sua tese e já está em negociação com editoras.
Catarina Chagas
Ciência Hoje On-line
17/05/04