Mão-de-obra feminina é cada vez maior e mais precária

A participação feminina no mercado de trabalho praticamente dobrou nos últimos 30 anos — ela correspondia no ano 2000 a 40% da população economicamente ativa, em oposição a modestos 21% em 1970. Estaríamos enfim caminhando rumo à igualdade dos sexos no plano profissional? A realidade não é bem essa: segundo tese de doutorado da cientista social Adriana Strasburg de Camargo Andrade, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), houve grande precarização da mão-de-obra feminina brasileira. É das mulheres a partir de 40 anos a entrada mais significativa no mercado hoje — e ela está longe de ser a mais lucrativa.

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Participação masculina (azul) e feminina (vinho) na população economicamente
ativa entre 1950 e 2000 (fonte: Censos Demográficos do Brasil, IBGE)

Adriana traçou um perfil do trabalho feminino no Brasil dos anos 1970 até hoje, com ênfase na década de 1990. Dados do IBGE mostram que o emprego doméstico foi o que mais cresceu entre 1992 e 1999 entre as mulheres ocupadas: passou de 16 para 19%. Ao mesmo tempo, reduziu-se a procura feminina pelo emprego nos setores público e privado; o número de empregadoras subiu de 2 para 3%.

Mas a constatação mais curiosa está na faixa etária das mulheres que ingressaram no mercado de trabalho nos anos 1990. “Grande parte dessas mulheres tinha mais de 40 anos e baixa escolaridade, e assumiu ocupações mais precárias, como o emprego doméstico”, conta Adriana. “O perfil da ocupação e renda indica que elas não entraram no mercado por vontade própria, mas movidas por necessidade material.” No Brasil, já se conhece o fim dessa história: com baixa escolaridade, a chance de ingresso em bons empregos é ínfima.

Adriana pesquisou ainda teses e artigos dos anos 1970 — período de forte movimento feminista –, em busca de critérios que definissem o conceito de precarização. “Muitos estudos levavam em consideração o prestígio social da ocupação, além das condições de trabalho e remuneração”, conta. “Enquanto trabalhos na indústria ou no setor público eram considerados de maior prestígio, o emprego doméstico era apontado como o mais precário.”

Falta de estabilidade profissional e pouca permanência no mesmo ofício, além de carteira não assinada e indefinição da jornada de trabalho, também eram indicadores da precarização do trabalho — e são até hoje, época em que a oposição de classes entre as próprias mulheres pode desarticular um movimento feminista único. “Se não houver crescimento econômico com investimentos e abertura de novos postos de trabalho, continuaremos a gerar empregos precários”, diz Adriana.

A longo prazo, o custo da precarização será revertido para toda a sociedade. A mulher que assume um emprego doméstico em condições precárias deixa de cuidar dos próprios filhos, sem contar com o apoio de creches, restaurantes e lavanderias a preços populares — antiga reivindicação dos movimentos sindicais. “Todos querem o benefício das novas gerações, mas nem o Estado nem os homens querem pagar o preço de criá-las”, diz Adriana. “Apesar do engajamento da mulher no mercado de trabalho, continua operando uma divisão sexual do trabalho na família.” Que emancipação feminina foi essa?

Elisa Martins
Ciência Hoje On-line
25/03/03