Maternidade após o câncer

A infertilidade que assombra mulheres em tratamento quimioterápico era um mistério para os cientistas. Até agora. Em estudo publicado na Science Translational Medicine, pesquisadores israelenses descobriram como remédios anticâncer afetam o sistema reprodutor feminino. E o melhor: a descoberta permitiu que a equipe testasse um medicamento capaz de proteger ovários de camundongos durante a quimioterapia.

Segundo Dror Meirow, médico da faculdade de Tel Aviv e um dos autores do estudo, uma das hipóteses científicas para a perda da fertilidade no tratamento do câncer era que a quimioterapia matava os ovócitos, células liberadas pelo ovário durante a ovulação e fecundadas pelo espermatozoide. “Assim, buscávamos um jeito de impedir a morte dessas células”, conta o pesquisador.

No entanto, ao tratar camundongos fêmeas com ciclofosfamida, um medicamento comumente usado contra diversos tipos de câncer, a equipe de Meirow mudou o rumo. A análise dos ovários dos roedores mostrou que, na verdade, o remédio não matava os ovócitos, mas fazia com que ovócitos adormecidos crescessem e amadurecessem mais rápido.

A cada ciclo menstrual da mulher, uma pequena quantidade dos ovócitos amadurece e é liberada para fecundação, enquanto o resto permanece em repouso. Ao longo da vida, a reserva de ovócitos diminui até que a mulher atinja a menopausa e não possa mais ter filhos. “O que a quimioterapia faz é amadurecer todos os ovócitos de uma vez só. Uma vez que esse processo começa, ele não tem volta: os ovócitos morrem e a reserva ovariana se perde”, diz o pesquisador. “Descobrir isso nos fez mudar o foco e buscar um jeito de impedir a maturação precoce.”

Ovócito
Ovócito humano, gameta feminino liberado durante o período comumente chamado de ovulação. É importante lembrar que a célula só é denominada óvulo após a união entre o gameta feminino e o masculino. Estudo aponta a maturação precoce dos ovócitos como principal causa da infertilidade pós-câncer. (foto: Wikimedia Commons)

Mudança de rumo

A partir daí, os olhos dos pesquisadores se voltaram para o AS101, medicamento que em estudos anteriores mostrou-se capaz de preservar a fertilidade masculina durante a terapia anticâncer. Em uma nova bateria de experimentos, camundongos fêmeas receberam a ciclofosfamida, mas dessa vez em conjunto com o AS101.

O cotratamento resultou na preservação dos ovócitos adormecidos, impedindo que a ciclofosfamida induzisse sua maturação. Além disso, fêmeas que foram submetidas à quimioterapia em conjunto com o AS101 engravidaram e tiveram filhotes saudáveis. “Em outros estudos, vimos que, mesmo quando o ovócito sobrevive à quimioterapia e é fecundado, o filhote nasce com malformação ou é abortado. No cotratamento com o AS101, a prole não teve problemas”, acrescenta Meirow.

O cotratamento resultou na preservação dos ovócitos adormecidos, impedindo que a ciclofosfamida induzisse sua maturação

O pesquisador destaca que, apesar de impedir a ação da ciclofosfamida sobre as células do ovário, o AS101 não interfere no tratamento contra o câncer. “Estudos anteriores já mostraram que o medicamento não anula a ação da ciclofosfamida e, em alguns, foi visto que o medicamento impulsiona a quimioterapia sobre as células do tumor”, completa.

Se sua eficácia for comprovada, a nova abordagem poderá substituir métodos caros e invasivos, como o congelamento de tecido ovariano e a fertilização in vitro, usados atualmente para preservar a fertilidade de mulheres com câncer. “Nosso próximo passo é avaliar se o AS101 consegue preservar a fertilidade em macacos”, diz o médico.

Diferentes decisões

Apesar de muitas mulheres desejarem ter filhos, as reações das pacientes com câncer diante da possibilidade de ficar infértil variam. “Há aquelas que acham que, naquele momento, tratar o câncer é o mais importante; outras fazem questão de atrasar o tratamento para preservar a fertilidade e ter a chance de engravidar”, afirma o oncologista Nelson Hamerschlak, do Hospital Israelita Albert Einstein.

“Logo no início eu soube do risco de ficar infértil. Mas pensar em ter um filho que poderia crescer sem a mãe me fazia não querer engravidar”

Por atuar em conjunto com a quimioterapia, o AS101 pode evitar que a paciente precise adiar o tratamento anticâncer para buscar técnicas de preservação da fertilidade. No entanto, nem sempre o receio de não iniciar o tratamento logo que o câncer é diagnosticado é a única razão pela qual uma paciente opta por não preservar ovócitos artificialmente.

Diagnosticada em 2011 com um tumor neuroectodérmico primitivo, a estudante de arquitetura Aline Machado conta que, inicialmente, não pensou no assunto. “Logo no início eu soube do risco de ficar infértil. Mas pensar em ter um filho que poderia crescer sem a mãe me fazia não querer engravidar”, explica. No entanto, após um ano de quimioterapia, sua opinião mudou: “Depois da cura, o meu pensar sobre a vida mudou muito e eu passei a me sentir disposta e pronta para viver, porque, afinal, o pior já passou”, completa.

Mariana Rocha
Ciência Hoje On-line