Antes de ir para aula ou trabalho, nada melhor que uma xícara de café para espantar o sono e manter a mente alerta. Não há dúvidas de que a cafeína presente na bebida tem esses efeitos. O que não é ainda bem conhecido, no entanto, é a ação dela sobre a memória. Um novo estudo de pesquisadores norte-americanos lança luz sobre essa questão ao mostrar que a ingestão de doses moderadas da substância estimulante melhora a fixação da memória de longo prazo.
Depois de conduzir testes com mais de 100 pessoas, os pesquisadores, da Universidade Johns Hopkins e da Universidade da Califórnia , ambas nos Estados Unidos, verificaram que um mínimo de 200 mg de cafeína administrada depois de uma sessão de aprendizado aumenta a capacidade de memorizar o conteúdo recebido pelo menos até o dia seguinte.
Na experiência, os voluntários receberam cartelas com imagens – como uma cesta de piquenique e um saxofone – e tiveram que classificá-las entre ‘objetos de dentro de casa’ e ‘objetos externos’. Logo depois da tarefa, metade das pessoas recebeu uma dose de cafeína e a outra metade recebeu um placebo, sem efeito químico.
Um dia depois, os pesquisadores reapresentaram aos dois grupos de voluntários as cartelas, substituindo algumas das imagens por outras de objetos semelhantes, mas não idênticos aos originais. Também foram acrescentadas novas cartelas com objetos inéditos. Foi pedido às pessoas que discriminassem entre esses três tipos de imagens (originais, novas e semelhantes).
Os testes foram conduzidos com três dosagens diferentes de cafeína: 100 mg, 200 mg e 300 mg. Ao final, tanto o grupo que ingeriu cafeína quanto o grupo que não ingeriu conseguiu identificar as imagens novas, mas somente as pessoas dos grupos que receberam 200 mg ou 300 mg da substância conseguiram diferenciar as imagens semelhantes das originais.
“Pesquisas anteriores com animais já haviam demonstrado que a cafeína atua sobre a memória de curto prazo – medida alguns minutos após um aprendizado –, mas nenhum estudo tinha ainda testado a atuação da substância sobre a memória de longo prazo, responsável pela recordação de eventos que ocorreram há mais de um dia”, conta Michael Yassa, neurocientista da Universidade Johns Hopkins e um dos autores do estudo, publicado esta semana na Nature Neuroscience.
Para o pesquisador, a experiência é importante porque foi a primeira a administrar a cafeína depois do desempenho de uma tarefa e não antes. “A maioria dos estudos testa a cafeína administrada antes do aprendizado, o que torna difícil dissociar os efeitos sobre a memória dos outros efeitos produzidos pela cafeína, como o aumento da atenção e da velocidade de processamento neural”, comenta.
Os pesquisadores também conduziram testes nos quais a cafeína foi ingerida apenas no segundo dia após o aprendizado e não obtiveram bons resultados, o que indica que a substância atua na consolidação das memórias e não no seu resgate.
Efeitos variados
A dosagem utilizada na experiência é facilmente conseguida ao se beberem duas xícaras de café seguidas e está abaixo do limite diário de 600 mg, acima do qual a substância é considerada perigosa. No entanto, Yassa alerta que a cafeína pode ter efeitos colaterais como dor de cabeça e nervosismo, observados inclusive entre os voluntários de sua pesquisa.
“Ingerir cafeína à noite pode provocar insônia e doses grandes podem gerar dor de cabeça, ansiedade e aumento da pressão arterial, que pode ser especialmente perigoso para quem tem um histórico de doença cardíaca”, diz. “Tudo depende do metabolismo da pessoa: para alguns, um pedaço de chocolate tem cafeína suficiente para ficar alerta, mas outros, como eu mesmo, precisam de quatro xícaras de café para conseguir o mesmo efeito.”
O pesquisador pondera que mais estudos são necessários antes que a substância seja recomendada como terapia. O próximo passo do grupo será tentar descobrir os mecanismos fisiológicos por trás da melhoria de memória provocada pela ingestão de cafeína por meio de exames de imagem do cérebro e testes toxicológicos.
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line