A poetisa brasileira Lou Witt escreveu: “As pequenas coisas às vezes têm um valor imensurável”. Embora Witt se referisse a singelos gestos e palavras, o verso bem poderia ser aplicado às bactérias, sobretudo quando se trata de sua importância para a ciência e a vida. Por isso, a recente disponibilização de um rico acervo de bactérias para uso científico é motivo de comemoração.
Com o objetivo inicial de conhecer melhor a biodiversidade da mata atlântica no Rio de Janeiro, uma equipe do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) iniciou, em 2007, um projeto de coleta de bactérias no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, unidade de conservação federal situada na região serrana do estado.
Em menos de um ano, a equipe conseguiu identificar e preservar mais de 40 gêneros de bactérias. A quantidade e a diversidade do material coletado levaram os pesquisadores a criar uma coleção de microrganismos e disponibilizá-la gratuitamente para pesquisas científicas.
Com a colaboração de outros projetos do IOC e de outras instituições, como a UFRJ, o acervo foi aumentando e conta atualmente com 100 gêneros distintos de bactérias, típicas da mata atlântica, do bioma marinho e do microbioma do intestino do mosquito Aedes aegypti, todas coletadas em regiões do Rio de Janeiro.
Identificação genética
Para obter os microrganismos, o grupo de pesquisadores, coordenado pela bióloga Ana Carolina Paulo Vicente, coleta amostras do solo do parque e leva para o Laboratório de Genética Molecular de Microrganismos do IOC.
Lá, as amostras são colocadas em seis diferentes meios de cultura, onde são mantidas por até 10 dias. Nessa etapa, os pesquisadores observam qual o meio mais compatível para manter aquele organismo vivo, intacto e apto a se multiplicar.
Depois, as bactérias, sem os demais elementos do solo, são transferidas para outras placas juntamente com o meio de cultura a que se adaptaram melhor. Ali, elas crescem e formam colônias visíveis a olho nu.
As bactérias passam, então, por uma análise genética, para a identificação mais precisa da espécie em questão e, por fim, são catalogadas e passam a fazer parte da coleção.
“Por meio desses procedimentos, conseguimos isolar e classificar uma grande diversidade de bactérias”, afirma Ana Vicente.
Acervo aberto
A coleção está em constante atualização e expansão e todas as bactérias catalogadas estão disponíveis para o uso em estudos científicos. O catálogo pode ser acessado no site do projeto, onde qualquer pesquisador vinculado a uma instituição de ensino e/ou de pesquisa pode fazer um pedido.
Quando uma espécie de bactéria é solicitada, os pesquisadores preparam uma nova cultura daquela espécie e, antes de enviar os novos exemplares, analisam o seu DNA para conferir se é de fato a espécie pedida. “O material é então enviado sem nenhum custo, precisando somente creditar o instituto como fonte nos trabalhos”, explica Ana Vicente.
A coleção fechou o ano passado com uma demanda de aproximadamente 50 bactérias, solicitadas pelo Brasil e pelo México. Neste ano, a coleção já teve 30 requisições.
A bióloga considera de extrema importância o trabalho realizado até aqui e espera que iniciativas similares surjam em outros estados e regiões do país. “A diversidade de todos os biomas deve ser conhecida e preservada, só assim o Brasil pode ter o direito de afirmar que é detentor de uma das maiores biodiversidades do planeta”.
Nesse sentido, a Fiocruz está propondo ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação a criação de um Centro de Recursos Biológicos em Saúde, que seria uma grande coleção voltada para a preservação e disponibilização de material biológico, entre ele bactérias, para pesquisa e desenvolvimento em saúde no Brasil, “o que é algo estratégico para qualquer país”, defende Ana Vicente.
Camille Dornelles
Ciência Hojen On-line