Uma equipe brasileira pode ter encontrado a solução para um mistério que intrigava pesquisadores que investigam compostos para combater o câncer. Não se sabia até aqui por que a endostatina, uma proteína que se mostrou capaz de provocar indiretamente a destruição de células tumorais quando testada em camundongos, não apresentava resultados tão animadores em testes com humanos. Um estudo feito na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostra que a resposta talvez esteja na estrutura das moléculas usadas nesses ensaios.
Na solução testada em roedores, a endostatina se mostrou capaz de destruir os capilares sanguíneos. Essas estruturas, indicadas por setas na imagem da esquerda, já não aparecem na imagem da direita.
A endostatina é um fragmento de uma proteína estrutural presente em todas as membranas basais (o colágeno XVIII), mas que se concentra sobretudo em torno dos vasos sanguíneos. Ela impede a ação de fatores como o VEGF, secretado pelos tumores para estimular o crescimento de vasos para alimentá-los. Quanto mais vascularizados, maiores os tumores ficam, diminuindo as chances de vida do paciente.
Há 12 anos, uma equipe norte-americana mostrou que a endostatina era capaz de eliminar vários tipos de câncer em roedores, sem causar efeitos colaterais. A injeção subcutânea de uma solução com a proteína promoveu a regressão dos vasos que alimentavam os tumores, destruindo-os. Três anos depois, porém, quando a substância foi testada em humanos, os resultados não se repetiram. A endostatina impediu o surgimento de novos vasos, mas não levou à regressão do tumor.
Desde então, a equipe da bióloga Tatiana Sampaio, da UFRJ, estuda a endostatina, com o objetivo de entender por que a proteína não agiu da forma esperada quando aplicada em humanos. Com os resultados alcançados na pesquisa de doutorado do biomédico Gabriel Limaverde, orientado pelo físico Pedro Pascutti e por Sampaio, a equipe acredita ter encontrado a resposta.
Diferenças estruturais
Além das diferenças naturais entre os organismos em que a substância foi testada, a equipe identificou alterações importantes na estrutura das proteínas usadas nos estudos com roedores e com humanos. Essas diferenças se explicam pela forma como foram produzidas as proteínas usadas nesses testes.
A endostatina presente no organismo não é suficiente para eliminar os vasos tumorais já desenvolvidos. Para sintetizá-la, os pesquisadores clonaram a porção do gene responsável pela síntese do colágeno XVIII correspondente à proteína, introduzindo-a em bactérias ou em células de levedura. Nos testes com camundongos foi injetada uma suspensão com proteínas produzidas em bactérias, que resultou em uma substância pastosa. Já nos ensaios com humanos, foi utilizada uma solução líquida, obtida pelo processo de expressão da proteína em levedura.
Modelo da endostatina com duas subunidades (dimérica) produzida pelos pesquisadores da UFRJ. Essa estrutura pode garantir a eficácia da ação antitumoral da proteína em humanos.
“No sistema de expressão convencional em levedura são produzidos monômeros, que são estruturas de proteínas com apenas uma subunidade”, explica Tatiana Sampaio. “Já no método descrito em bactérias, existe uma alteração nas condições de expressão que leva à produção de proteínas com número variável de subunidades.”
A partir de simulações em programas de computador e do desenvolvimento de testes in vitro, a equipe de Tatiana constatou que pode ter sido esta diferença estrutural a razão pela qual a experiência norte-americana fracassou. “A proteína monomérica, testada em seres humanos, até consegue impedir o crescimento de novos vasos, mas não tem força para destruir os já existentes“, conclui a pesquisadora. O trabalho foi submetido para publicação no Journal of Biological Chemistry.
Tratamento ainda precisa de avanços
A partir desses resultados, a equipe desenvolveu um composto em levedura com as estruturas proteicas capazes de destruir os vasos tumorais, que está sendo testado em camundongos. Caso os resultados sejam promissores, os ensaios podem levar à formulação de uma solução para testes com humanos.
Essa formulação poderia provocar a infertilidade de mulheres como efeito colateral. Sampaio explica que, como o endométrio (camada altamente vascularizada da parede do útero que acolhe o óvulo após a fecundação) contém vasos sanguíneos que se desenvolvem a cada ciclo menstrual, a endostatina poderia bloquear a sua formação. “Os vasos sanguíneos do corpo humano não mudam. Depois do nascimento, esta é a única situação fisiológica em que formamos novos vasos”, completa.
Seja como for, ainda é cedo para pensar em uma droga antitumoral para uso humano derivada da endostatina. “Se a droga fosse usada na forma atual, o tratamento requereria injeções diárias de altas doses da substância (cerca de 20 miligramas por quilo do paciente), o que o tornaria muito caro”, afirma Sampaio. “Se provarmos a sua eficácia, serão necessários mais estudos para o desenvolvimento de tecnologias que o tornem viável.”
Barbara Marcolini
Ciência Hoje On-line
07/04/2009