Moda também é ciência

Quem pensa que moda é coisa fútil está redondamente enganado. Prova disso são as coleções de sapatos Ecoshoes, desenvolvidas na Faculdade de Química da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com o apoio de várias empresas e instituições brasileiras. “Produzimos duas coleções de sapatos dentro dos mais rigorosos critérios de responsabilidade ambiental”, diz o químico Marcus Seferin, coordenador do projeto.

A ideia resultou de uma parceria entre pesquisadores e o setor calçadista gaúcho, com o apoio do estilista paulista Walter Rodrigues. As duas coleções, primavera-verão e outono-inverno, foram apresentadas na 15ª edição do Fashion Rio 2009, um dos eventos de moda mais badalados do Brasil.

Sapato feminino da coleção Ecoshoes desenhado pelo estilista Walter Rodrigues, reconhecido pelo acabamento cuidadoso das peças que cria.

Segundo Rodrigues, as coleções dão um recado importante: na moda também é possível adotar uma mentalidade responsável e consciente. “A moda”, sustenta o estilista, “é o reflexo do comportamento de uma era.”

De acordo com Marcus Seferin, há no mercado calçados, bolsas e acessórios que se intitulam ambientalmente corretos. “Mas até que ponto esses produtos são realmente ecológicos?”, questiona. Para ele, a maioria não passa de propaganda enganosa.

“Pelo que sei, no Brasil só há uma organização do setor calçadista que leva a sério os conceitos da chamada ecologia industrial”, diz Seferin. Ele se refere ao Sindicato das Indústrias de Calçados de Três Coroas (RS), que mensalmente recolhe 250 toneladas de resíduos industriais de 93 empresas da região.

“Eles aproveitam quase 70% desse total para fabricar os componentes de seus sapatos.” Foi graças à atuação desse sindicato, em parceria com algumas fábricas, que nasceu o projeto Ecoshoes.

Os pesquisadores querem otimizar a produção de calçados observando cada etapa da cadeia produtiva. Eles preocupam-se não só com a extração da matéria-prima, mas também com transporte, reciclagem e disposição final do produto. “Assim mapeamos todo o ciclo de vida do calçado, desde sua origem até seu destino, para viabilizar sua produção da forma mais ecológica possível.”

É muito difundida a ideia de que a fibra de bambu, por exemplo, é uma alternativa ecológica para a fabricação de roupas. “Isso é um equívoco”, afirma Seferin. Essas fibras em geral vêm da Ásia. Ou seja, mesmo sendo um material ecologicamente aceitável, há um gasto energético enorme para trazê-las de tão longe. “No projeto Ecoshoes, queremos estudar uma logística mais eficiente. Usaremos matérias-primas obtidas em um raio de poucos quilômetros da indústria que confecciona o calçado.”

Chulé ambiental
Da indústria à passarela, o caminho trilhado por um calçado é bastante longo. E às vezes nada glamuroso. Os danos ambientais que a produção de um simples par de sapatos pode causar são grandes e desconhecidos pela maior parte das pessoas.

Um dos grandes vilões é o couro. O que o torna ecologicamente danoso é o corte. Uma vez recortadas as partes nobres da pele do animal, sobram muitos retalhos. Sem utilidade, eles vão parar em lixões. A solução encontrada pelos pesquisadores para aproveitar esses retalhos foi triturá-los, transformando-os em pó. “Misturado a madeira, esse pó gera um material bonito e de boa qualidade”, garante Seferin.

Sapato ambientalmente correto da coleção Ecoshoes usado por modelo em desfile do Fashion Rio 2009.

Outro problema na produção de calçados é a pintura. As tintas costumam ser tóxicas, gerando resíduos poluentes. Hoje as indústrias usam tinta a base de tolueno e dimetilcetona, ambos prejudiciais ao meio ambiente. Os pesquisadores do Ecoshoes usam tinta a base de água.

Quanto aos saltos dos sapatos femininos, a equipe resolveu inovar. Em vez de pintá-los, decidiu revesti-los com chifre de boi. “Esses chifres são resíduos da indústria frigorífica e podem ser aproveitados na fabricação do calçado. O resultado é interessante.”

Outro problema na fabricação de calçados são as peças de plástico metalizado. A fabricação desses detalhes requer que eles passem por um banho de cromo. Muitas vezes essa substância chega ao solo, contaminando-o. “Para resolver o problema, empregamos processos de metalização a vácuo”, conta Seferin.

Mas não é só o processo produtivo dos calçados que causa danos ambientais. Depois de comprados, eles também apresentam inconvenientes ecológicos. “Sapato velho é um problema”, diz o pesquisador. “O que fazemos com os sapatos que não queremos mais? Doamos ou jogamos fora, o que dificulta o reaproveitamento racional de seus componentes.”

Tendência
Há uma exigência crescente nos mercados de todo o mundo para que os produtos sejam feitos com responsabilidade ambiental. “No Rio Grande do Sul, o setor calçadista já se alinha a essa demanda”, diz Seferin, apontando como bom exemplo o projeto Ecoshoes.

O objetivo final do projeto é a criação de um selo ecológico, que deverá garantir políticas ambientais eficientes para regular o setor calçadista em todo o país. “Pretendemos facilitar a inserção de nossos produtos em mercados exigentes do ponto de vista ambiental”, diz Seferin. “Esses são os calçados que o consumidor do futuro exigirá.”

Henrique Kugler
Especial para a CH On-line / PR
07/08/2009