Muito antes do chocolate

O vestígio mais antigo de consumo de cacau no mundo foi encontrado em uma garrafa datada entre 1.400 e 1.100 a.C., com forma e tipo parecidos com os da peça desenhada acima, que integra a coleção do Instituto Hondurenho de Antropologia e História (fotos: PNAS).

O cacau, famoso por ser a matéria-prima do chocolate, era consumido por nativos americanos muito antes do que se imaginava. Análises químicas de resíduos extraídos de potes de cerâmica encontrados em Honduras mostram que bebidas feitas de cacau eram produzidas antes do ano 1.000 a.C, o que antecipa o consumo da fruta em pelo menos 500 anos.

Pesquisadores norte-americanos analisaram cerâmicas escavadas em sítios em Puerto Escondido, na região do baixo vale do rio Ulúa, no norte de Honduras, e encontraram traços de teobromina, composto químico existente apenas no cacau. Testes de carbono 14 mostraram que a maior parte dos fragmentos data do período entre 1.100 a.C. a 900 a.C. “As descobertas estabelecem o baixo vale do Ulúa como a mais antiga localização identificada de consumo de cacau no mundo”, dizem os cientistas em artigo publicado na revista PNAS desta semana.

Dos 13 fragmentos encontrados, onze continham teobromina ou cafeína, composto também presente no cacau. A evidência mais primitiva do uso da fruta vem de uma garrafa datada entre 1.400 a.C. e 1.100 a.C. Segundo os pesquisadores, o estilo do material tem relação com o de potes da região da costa do Pacífico (El Salvador, Guatemala e México), o que indica que o povo de Puerto Escondido já mantinha conexões próximas com comunidades distantes.

Liderados por John S. Henderson, do Departamento de Antropologia da Universidade Cornell (Estados Unidos), os autores sustentam que os fragmentos de cerâmica descobertos faziam parte de vasos que provavelmente teriam sido usados para servir bebidas de cacau, devido à funcionalidade de suas formas e ao grau de decoração apropriado para ocasiões especiais. Segundo eles, o estilo dos potes indica que o cacau era servido em cerimônias de casamento e nascimentos.

A era do cacau
No século 16, o vale do Ulúa era famoso pela produção de cacau de alta qualidade. Textos do período pré-colombiano documentam a importância da fruta no milênio que precedeu a invasão hispânica. Nessa época, uma bebida com sabor de chocolate feita da semente do cacau era consumida em ocasiões sociais e rituais pela elite dos povos da Mesoamérica (região do continente americano que inclui o sul do México, os territórios da Guatemala, El Salvador e Belize e as porções ocidentais da Nicarágua, Honduras e Costa Rica). O cacau chegou a se tornar valiosa moeda de troca do império asteca. Após a invasão hispânica, o chocolate foi levado para a Europa e deu início à sua moderna indústria.

A evidência mais recente do uso de cacau encontrada pelos pesquisadores norte-americanos era um fragmento de vaso semelhante ao da foto acima, datado de 380 a.C. As descobertas mais antigas de consumo da fruta até então eram da mesma época.

Mas o chocolate não teria sido o primeiro produto feito a partir do cacau. Segundo os pesquisadores, os nativos americanos consumiam uma bebida alcoólica fermentada produzida a partir da polpa da fruta semelhante à chincha fabricada na América do Sul (geralmente feita de milho ou mandioca).

Os autores admitem que as evidências químicas presentes nos fragmentos de cerâmica recém-descobertos confirmam apenas que se tratava de uma bebida de cacau. “A análise não foi capaz de determinar se a bebida era derivada da polpa ou das sementes, porque teobromina e cafeína estão presentes em ambas as partes da planta.”

No entanto, com base nos diferentes formatos dos potes usados para servir, os cientistas deduziram que a bebida de chocolate característica da Mesoamérica foi um derivado de bebidas fermentadas mais antigas. Segundo eles, a hipótese é compatível com o fato de que, no ano 7.000 a.C., produtos naturais ricos em açúcar já eram usados para produzir bebidas alcoólicas em outras partes do mundo, como o Oriente Próximo e a China.

Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line
13/11/2007