Na trilha do Mayaro

Embora não tenha muitos casos registrados no mundo, a febre de Mayaro, doença que causa sintomas similares aos da dengue, já atinge centros urbanos no Brasil. Mas pouco se sabe sobre o ciclo biológico de seu agente infeccioso, o vírus Mayaro, endêmico da floresta amazônica. Esse quadro começa a mudar com um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Os pesquisadores identificaram o mecanismo de entrada do vírus em células de macaco-verde africano (Chlorocebus sabaeus) – os macacos são os prováveis reservatórios do Mayaro. Apresentado na 28ª Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe) na semana passada em Caxambu (Minas Gerais), o trabalho é o primeiro passo para elucidar a via de infecção do microrganismo e pensar em uma estratégia antiviral.

O Mayaro é um alfavírus cuja infecção provoca febre, dor de cabeça e fotofobia, além de erupções na pele, por 3 a 5 dias, mas gera dores nas articulações dos indivíduos por meses após o vírus ter sido debelado. “Apesar não haver mortalidades relacionadas a essa doença, os indivíduos são afetados por um longo período”, revelou o biomédico Carlos A. M. Carvalho, doutorando do Laboratório de Biologia Estrutural de Vírus da UFRJ, que realiza a pesquisa.

Estudo reportou que 33 casos de febre de Mayaro ocorreram entre 2007 e 2008 em Manaus e que esse número poderia representar apenas a ponta do iceberg

Desde que o vírus Mayaro foi descoberto, em 1954 em Trinidad e Tobago, foram registrados mil casos da doença. Mas acredita-se que esse número esteja subestimado, devido à semelhança dos sintomas com os da dengue. Segundo Carvalho, o vírus é transmitido por mosquitos do gênero Haemagogus e sua infecção em humanos seria acidental, resultado de incursões de trabalhadores, turistas etc. na floresta. Contudo, estudo de 2011 reportou que 33 casos de febre de Mayaro ocorreram entre 2007 e 2008 em Manaus e que esse número poderia representar apenas a ponta do iceberg.

“Há a suspeita de que esse vírus também seria transmitido pelo Aedes aegypti, o mosquito transmissor da dengue, o que ampliaria o alcance da doença”, observou o biomédico. Carvalho contou que algo similar ocorreu com outro alfavírus, o Chikungunya. Normalmente transmitido pelo Aedes aegypti, ele teria sofrido uma mutação que permitiu sua transmissão pelo Aedes albopictus. “Houve uma epidemia recente de Chikungunya na Itália que está sendo atribuída ao albopictus”, reforçou.

Rastreando a fluorescência

O primeiro passo para entender o ciclo biológico do vírus é saber como ele entra nas células. Carvalho explicou que há duas maneiras para isso acontecer: fusão ou endocitose. Na primeira, o vírus funde seu envelope, um pedaço de membrana celular que ele ‘rouba’ quando deixa uma célula, com a membrana da nova célula a ser infectada. A fusão libera no citoplasma da célula a estrutura proteica (chamada capsídeo) que guarda o RNA do vírus.

Na endocitose, o vírus é englobado pela célula e fica contido em uma vesícula. Seu envelope então se funde com a membrana desse compartimento e libera o capsídeo no citoplasma. “Para saber qual desses dois métodos é usado pelo Mayaro, marcamos o envelope do vírus com uma molécula fluorescente, a DiD”, disse Carvalho.

O biomédico explicou que, quando duas ou mais unidades de DiD estão próximas, elas cancelam suas respectivas fluorescências. À medida que se afastam uma da outra, elas recuperam a habilidade de emitir luz. “Usando microscopia de fluorescência confocal, podemos acompanhar em tempo real o processo e distinguir se há fusão ou endocitose, porque quando o envelope se funde com a membrana ou a vesícula, ele dilui a DiD e esta se torna fluorescente”, completou.

Vírus Mayaro invadindo célula
Vírus Mayaro marcado com molécula fluorescente (em vermelho) invadindo por endocitose uma célula de macaco. (foto: Carlos A. M. Carvalho)

Os experimentos revelaram que o Mayaro não só segue o caminho da endocitose, como também o faz de maneira rápida, levando apenas três minutos entre a entrada na célula e a liberação do capsídeo no citoplasma. “Ele é mais veloz que os vírus da dengue e da gripe”, ressaltou Carvalho, para quem a endocitose é mais vantajosa para o Mayaro, já que impede que as proteínas que o vírus insere no envelope sejam identificadas pelo sistema imune, o que aconteceria se houvesse fusão com a membrana celular.

As próximas etapas da pesquisa envolvem marcar o capsídeo e o RNA do Mayaro para rastrear o resto do processo de infecção. “Já estamos trabalhando na primeira, mas marcar o ácido nucleico é bem mais complicado e ainda não temos uma previsão de sua realização”, concluiu Carvalho.

Fred Furtado (*)
Ciência Hoje/ RJ

* O jornalista viajou a Caxambu a convite da Fesbe.

Este texto foi atualizado para incluir a seguinte alteração:
A DiD, molécula fluorescente usada para marcar o vírus Mayaro e rastrear sua entrada nas células, não é uma proteína, como foi dito anteriormente no texto. (28/08/2013)