Nem a mata virgem escapa da ação humana

 

      

Que a diversidade das árvores em áreas desmatadas é bastante afetada não é novidade. O que um estudo recente acaba de mostrar é que até mesmo áreas de mata virgem da floresta amazônica têm sido afetadas pela ação do homem. Cientistas registraram a variação ocorrida nos últimos 20 anos na dinâmica e diversidade de comunidades arbóreas em territórios que ainda não sofreram qualquer intervenção humana direta. O provável vilão apontado é o alto nível de dióxido de carbono na atmosfera.

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A dinâmica da floresta amazônica mudou: várias espécies de árvores estão crescendo mais rapidamente, sobretudo as do extrato superior, chamado dossel (foto: Marcos Guerra)

Durante a pesquisa, publicada em 11 de março na revista Nature , cientistas brasileiros e americanos catalogaram cerca de 13.700 árvores em 18 áreas diferentes. Eles observaram que, dos 115 gêneros de árvore relacionados, 27 sofreram uma mudança significativa em sua taxa de crescimento e na área de dispersão.

A floresta é dividida em extratos: o superior, chamado de dossel, é composto pelas árvores mais altas, enquanto o arbustivo é composto pelas espécies menores (existe ainda um terceiro, chamado extrato herbáceo e formado por arbustos, ervas, gramíneas, musgos e plantas jovens). O estudo registrou que, enquanto a densidade populacional aumentou entre as árvores do dossel, ela diminuiu no extrato arbustivo.

null A foto permite identificar dois extratos da floresta: o dossel e, logo abaixo, o extrato arbustivo, cujas árvores podem crescer praticamente no escuro (foto: William Laurance)As árvores de menor porte, cujo crescimento é mais lento, estão adaptadas para realizar fotossíntese praticamente no escuro. Nesse ambiente, as plantas recebem apenas 1 a 2% da quantidade de luz total que atinge o dossel. “Em um ambiente tão escuro, a energia fotossintética para plantas é muito escassa,” disse à CH On-line o primeiro dos 11 autores do artigo, o biólogo William Laurance, do Instituto Smithsonian de Pesquisa Tropical, sediado no Panamá. “Mas as árvores do extrato arbustivo são muito especializadas — elas podem germinar, crescer e até produzir flores e frutos na sombra.”

A causa mais provável para essa mudança na diversidade das árvores seria a grande quantidade de dióxido de carbono na atmosfera: essa concentração aumentou 30% nos últimos 200 anos. Isso pode ter levado as árvores a crescerem mais rapidamente e passarem a competir por luz, água e nutrientes do solo de maneira mais agressiva. Nessas condições, árvores de grande porte e de crescimento rápido levam vantagem sobre as menores e de crescimento lento.

No entanto, ainda é cedo para atribuir a culpa ao dióxido de carbono. Outros fatores como temperatura, chuvas, radiação solar e nutrientes poderiam ser também responsáveis. “Muita coisa ainda é desconhecida ou incerta sobre os efeitos do aumento dos níveis de CO 2 em comunidades de plantas em todo o mundo”, diz Laurance. Outros estudos revelaram que o aumento de CO 2 na atmosfera também poderia ter tornado a floresta amazônica mais dinâmica, com taxas mais altas de mortalidade e renovação. Além disso, foi registrado ainda que a produtividade florestal e o armazenamento de carbono têm aumentado.

O estudo publicado na Nature contou com pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). O próximo passo para a equipe de Laurance será verificar as mudanças ocorridas nas florestas do Panamá durante os últimos 20 anos. “Queremos ver se o mesmo está acontecendo em outras florestas tropicais,” diz o biólogo.

Liza Albuquerque
Ciência Hoje On-line
10/03/04