Nem tão livres assim

 

Algumas de nossas decisões podem não ser tão livres quanto imaginamos. Certas regiões do cérebro indicam como um indivíduo vai agir antes mesmo que ele tenha consciência dessa escolha. Essa previsão cerebral inconsciente pode acontecer com antecedência de até 10 segundos, como mostra experimento conduzido por pesquisadores na Alemanha.

Estudos anteriores já indicavam que nossas ações se iniciam por processos mentais inconscientes. Um deles mostrou que certas decisões conscientes das pessoas são precedidas em poucas centenas de milissegundos por um processo cerebral originado na área motora suplementar, uma região do cérebro envolvida na preparação motora.

A imagem mostra as áreas específicas do cérebro, localizadas nos córtices pré-frontal (acima) e parietal (abaixo), que codificam o resultado de uma decisão motora antes de ela ser tomada conscientemente (imagem: Nature Neuroscience).

A nova pesquisa, publicada esta semana na revista Nature Neuroscience, vai além desses resultados. Liderados por John-Dylan Haynes, do Instituto Max Planck para Ciências Cerebrais e Cognitivas Humanas, na Alemanha, os cientistas descobriram que duas regiões específicas dos córtices pré-frontal e parietal codificam informações que predizem a escolha que uma pessoa vai fazer em um estágio ainda mais precoce do processo: até 10 segundos antes de ela ser registrada na consciência.

“Esse retardo presumivelmente reflete a operação de uma rede de áreas de controle de alto nível que começam a preparar uma decisão futura muito antes que ela se torne consciente”, concluem os autores no artigo.

Para investigar quais regiões do cérebro predeterminam escolhas conscientes e quando elas começam a formular a decisão motora, a equipe usou imagens de ressonância magnética funcional, que rastrearam a atividade cerebral de voluntários enquanto viam uma sucessão de letras em uma tela. Em determinado momento, decidido livremente, eles tinham que pressionar um entre dois botões (à esquerda ou à direita).

Paralelamente, os indivíduos deveriam lembrar a letra apresentada quando tomavam consciência de sua decisão motora, como forma de demarcar esse momento. Depois de um tempo, a seqüência de letras recomeçava para dar início a um novo ciclo.

Os pesquisadores estimaram quanta informação relacionada ao resultado específico de uma decisão motora futura cada região cerebral continha em vários momentos antes e depois de a decisão alcançar a consciência. Eles usaram uma sofisticada técnica estatística para prever qual botão a pessoa iria apertar por meio do reconhecimento de padrões cerebrais locais característicos associados a cada escolha.

Previsão altamente confiável
“Descobrimos que duas regiões cerebrais codificam com alta precisão se o sujeito está prestes a escolher a resposta da esquerda ou da direita antes da decisão consciente”, contam os autores no artigo. Além disso, os resultados revelam que essa atividade anterior não é uma preparação genérica para uma resposta. “Ao contrário, ela codifica especificamente como um sujeito vai decidir.”

Segundo os pesquisadores, o tempo que os indivíduos demoravam para apertar o botão após o início de cada ciclo (21,6 segundos, em média) era suficiente para eliminar qualquer contaminação de decisões anteriores que pudessem interferir nas medições. Durante o experimento, a maior parte das intenções (88,6%) tornou-se consciente um segundo antes do movimento efetivo.

O grupo também examinou decisões voluntárias quando os sujeitos tinham que escolher entre direita e esquerda em um momento predeterminado. O teste revelou que o córtex pré-frontal já tinha uma previsão durante a seleção da resposta, enquanto no córtex parietal o processo começou depois. Esse resultado pode indicar que o córtex pré-frontal é o primeiro estágio em que a decisão é tomada e o córtex parietal está envolvido na armazenagem da decisão até que ela alcance a consciência.

Para os cientistas, a ordem temporal da informação sugere que os mais primitivos precursores inconscientes da decisão motora se originam no córtex pré-frontal. Dessa região, eles influenciam a preparação da informação relacionada à decisão no córtex parietal e, depois, na área motora suplementar, onde ela permanece inconsciente por até alguns segundos.

Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line
14/04/2008

Leia também: Minority report – uma segunda opinião , coluna de Suzana Herculano-Houzel sobre a neurociência do livre arbítrio.