Milhares de dólares são destinados todos os anos a pesquisas em busca de uma vacina contra o tipo mais comum de malária, causado pelo Plasmodium falciparum. Já um segundo tipo da doença, causada pelo Plasmodium vivax, não recebe tanta atenção, apesar de ser responsável por metade dos casos na Ásia e 85% dos casos no Brasil. Mas esse quadro começa a mudar com uma vacina desenvolvida por brasileiros que conseguiu bons resultados em camundongos.
O estudo, conduzido por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em parceria com a Universidade de Nova York e o apoio econômico do Instituto Waters Reed, levou a duas formulações universais de vacina contra a malária causada pelo P. vivax.
Esse protozoário tem algumas variantes. Dentre elas, são conhecidas três cepas que se diferenciam por alterações na estrutura de uma proteína, chamada de CS, que fica na membrana externa do microrganismo. A CS já é bem estudada e usada há anos em vacinas candidatas que têm se mostrado bem-sucedidas contra a malária causada pelo P. falciparum.
Por isso, os pesquisadores brasileiros também apostam em uma vacina que mire nessa proteína. As duas formulações desenvolvidas pelo grupo usam como base as três diferentes variações da CS encontradas no P. vivax.
Uma das vacinas contém as três proteínas em uma solução. A outra usa uma proteína híbrida, uma espécie de Frankenstein que congrega pedaços das três variantes da CS. Na vacina, as proteínas servem como um alerta para o sistema imune.
Quando o organismo vacinado entra em contato com elas, o sistema de defesa inicia seu combate com a produção de anticorpos contra o invasor – que, nesse caso, é apenas um fragmento que não chega a causar a doença. A memória desse embate é guardada. Assim, se houver uma nova exposição à proteína, o organismo se defende e impede uma possível infecção com o protozoário da malária.
As duas versões da vacina mostraram bons resultados quando aplicadas em camundongos. “Acompanhamos dezenas de animais por 180 dias e observamos que todos eles se imunizaram pela formação de anticorpos que se mantiveram elevados”, conta o geneticista Maurício Rodrigues, que apresentou o estudo esta semana durante o simpósio Produção de Vacinas no Brasil, organizado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) no Rio de Janeiro. “Conseguimos induzir imunidade contra as três variantes do P. vivax, seja pela mistura das três proteínas ou por uma proteína híbrida.”
Longo percurso
Segundo o pesquisador, o uso da proteína híbrida é mais barato e deve ser o escolhido caso a vacina venha a ser usada em campanhas de vacinação. As duas formulações já foram patenteadas e Rodrigues acredita que até 2015 os primeiros testes com humanos serão iniciados.
Ele alerta, no entanto, que, mesmo com resultados positivos, ainda existe um longo caminho até que a vacina esteja disponível. “Ainda não chegamos nem em fase 1 com a vacina contra o P. vivax, enquanto as desenvolvidas contra o P. falciparum já estão em fase 3, a última etapa em que são feitos testes com grandes grupos de pacientes”, comenta. “Estamos cerca de dez anos atrasados na pesquisa com o P. vivax: até chegarmos à fase 3 são, no mínimo, mais seis anos.”
O pesquisador lembra que apenas 15% da pesquisa mundial em malária são dedicados ao P. vivax. “O P. falciparum é um problema muito sério em todo o mundo, principalmente na África, mas o P. vivax também é importante e tem sido negligenciado”, completa.
Apesar de não ser o tipo de malária mais severo nem o que mais mata, a doença causada pelo P. vivax tem preocupado especialistas cada vez mais. Um dos autores do estudo, o patologista brasileiro Victor Nussenzweig, que estuda a malária há mais de 30 anos com a esposa Ruth Nussenzweig na Universidade de Nova York, alerta para a importância de olhar para essa variante da doença.
“O P. vivax também vai ser um problema cada vez maior, porque o parasita está ficando resistente à droga mais barata usada contra a malária, a cloroquina”, avisa. “Isso já vem acontecendo em países asiáticos e logo vai começar a acontecer aqui. Por isso a importância de uma vacina para evitar a infecção.”
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line