No princípio era o verbo

Atualmente são faladas de 4500 a 6000 línguas em todo o mundo. Mas como terá surgido tamanha diversidade? Essa é questão que o livro Origens da linguagem , de Bruna Franchetto e Yonne Leite, tenta desvendar. A obra, de caráter introdutório, resume e comenta as principais teorias da linguagem desde que a dúvida sobre seu surgimento foi levantada pela primeira vez por Sócrates na Grécia antiga.

“A questão da linguagem ou, em outros termos, da evolução do comportamento humano é altamente controvertida, dada a inexistência de provas e testemunhos factuais, diferentemente da evolução da espécie humana, para a qual existem evidências concretas”, explicam as autoras, que são antropólogas, lingüistas e professoras do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Com base nas teorias de Charles Darwin e Gregor Mendel, Bruna e Yonne sustentam a hipótese segundo a qual a linguagem teria surgido junto com a capacidade mental que fundamenta a comunicação e as estruturas anatômicas que possibilitam a produção de voz nos seres humanos.

“O desenvolvimento da linguagem aconteceu, ao que tudo indica, no momento em que as reações sociais entre os homens se tornaram mais complexas, sendo impossível separar o indivíduo com suas capacidades físicas e biológicas de sua relação com o contexto social do qual faz parte”, afirmam.

O pensamento do suíço Jean-Jacques Rousseau também é enfatizado. O filósofo propõe que a linguagem humana vem da necessidade de comunicação, e que há várias formas de interação. “A comunicação pode até se dar sem palavras”, citam as autoras. “O silêncio é, às vezes, mais eloqüente do que a argumentação bem engendrada.”

Bruna e Yonne também analisam os dois modelos vigentes, e concorrentes, sobre a origem da linguagem: o minimalista de Noam Chomsky — no qual a linguagem é única para todos os homens e independente de fatores sociais e geográficos — e o movimento inverso de Talmy Givón — no qual o funcionamento da linguagem depende do contexto cultural e da pragmática comunicativa.

A relação entre linguagem e religiosidade versus língua e ciência recebe destaque na obra. “O caminho percorrido para libertar o estudo da origem da linguagem de explicações religiosas ou filosóficas e o estabelecimento de padrões considerados rigorosamente científicos é longo e tortuoso, (…) mas é preciso percorrê-lo para avaliar o quanto já se fez e entender as novas roupagens de que o tema é revestido”, comentam as autoras. Elas apontam que esse conflito causou a proibição do tema no século 18, que o levou a mais de um século de ostracismo.

A leitura de Origens da linguagem é rápida, agradável e de fácil compreensão. Bruna e Yonne procuram, ao fim do volume, responder uma lista com questões atuais sobre o tema — como “A linguagem é uma faculdade inata ao ser humano ou é aprendida?” ou “A linguagem é compartilhada com outros animais ou é um atributo exclusivamente humano?”. Os questionamentos sobre a linguagem mudaram ao longo dos séculos, mas as dúvidas permanecem as mesmas. “Nada mudou, e portanto, tudo é diferente”, concluem.

 

Origens da linguagem
Bruna Franchetto e Yonne Leite
Rio de Janeiro, 2004, Jorge Zahar Editor
Coleção Passo-a-passo
Fone: (21) 2240-0226
64 páginas – R$ 17,50

Renata Moehlecke
Ciência Hoje On-line
15/07/04