A cor da pele já não é um bom indicativo da ascendência dos brasileiros. Um estudo publicado esta semana na revista PLoS One reforça que o segredo para identificar nossos ancestrais está nos genes. E surpreende ao provar que, de Norte a Sul do Brasil, é dos europeus o maior índice de contribuição genética – pelo menos 60% – para a formação do nosso povo.
Já era de se esperar que a ancestralidade europeia predominasse sobre a africana e a indígena nas regiões Sul e Sudeste do país. O inesperado foi encontrar o mesmo resultado, ainda que com pequenas variações proporcionais, no Norte e no Nordeste, onde o número de pardos e negros sempre superou o de brancos.
Para chegar a essas conclusões, pesquisadores de instituições brasileiras analisaram 40 trechos especiais do DNA, conhecidos como indels, de 934 pessoas, nas quatro regiões mais populosas do país. Os lugares escolhidos para representar cada região foram: Belém (PA), pela região Norte; Ilhéus (BA), pelo Nordeste; Rio de Janeiro (RJ), pelo Sudeste; e Porto Alegre (RS), pela região Sul.
“Usamos o genótipo e um programa de computador (Structure) para estimar os componentes de ancestralidade europeia, africana e indígena dos indivíduos nas quatro regiões geográficas avaliadas”, destacam os autores no artigo.
Com esses recursos, o coordenador do estudo, o geneticista Sergio Danilo Pena, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e ex-colunista da CH On-line, e mais 19 pesquisadores observaram que o maior índice de contribuição europeia está no Sul, onde atingiu 77,7%. No Nordeste está o menor, mas ainda assim significativo: 60,6%.
Os números permitem concluir que a ancestralidade não se reflete necessariamente no aspecto físico, como a cor da pele ou o tipo de cabelo. O caso da Bahia, estado escolhido como amostra do Nordeste, serve como exemplo pontual dessa observação: enquanto lá o número de pardos passa de 62% e o de brancos não chega a 21% (segundo o censo de 2008), a contribuição genética dos europeus é maior que 60%.
Vale destacar que a incompatibilidade entre os aspectos físicos e a origem dos ancestrais de uma população tende a se acentuar à medida que a miscigenação aumenta, como acontece no Brasil. Essa característica tem feito do nosso país um importante modelo para estudos de genética de populações e da relação entre a variabilidade genética de indivíduos de populações miscigenadas e sua reação a drogas específicas.
Um Brasil integrado
O estudo coordenado por Pena constatou que os brasileiros de diferentes regiões são geneticamente muito mais homogêneos do que se esperava, como consequência do predomínio europeu.
“Pelos critérios de cor e raça até hoje usados no censo, tínhamos a visão do Brasil como um mosaico heterogêneo, como se o Sul e o Norte abrigassem dois povos diferentes”, comenta o geneticista. “O estudo vem mostrar que o Brasil é um país muito mais integrado do que pensávamos.”
A homogeneidade brasileira é, portanto, muito maior entre as regiões do que dentro delas, o que valoriza a heterogeneidade individual. Essa conclusão do trabalho indica que características como cor da pele são, na verdade, arbitrárias para categorizar a população. Além disso, promete ampliar a visão que se tem hoje sobre tratamentos médicos, muitas vezes diferenciados com base em critérios físicos.
“Cada pessoa deve ser tratada individualmente, e não como um ‘exemplar de um grupo de cores’”, alerta Pena. O aspecto clínico, no entanto, não é o único afetado por essa descoberta.
Sobre o impacto social da revelação de que a origem do povo brasileiro não é exatamente o que se imaginava, o pesquisador acredita que a reação da sociedade depende sobretudo de como a informação será divulgada. “Essa questão, aliás, chega à própria razão de ser da divulgação científica”, finaliza.
Carolina Drago
Ciência Hoje On-line