Ao entrarem nas matas da floresta amazônica em setembro de 1999, três ornitólogos brasileiros não imaginavam que descobririam uma nova espécie da família dos papagaios (Pionopsitta). Renato Gaban-Lima e Marcos Raposo, pós-graduandos em zoologia pela Universidade de São Paulo (USP), faziam estudos para seus trabalhos de mestrado e doutorado — ambos orientados pela pesquisadora Elizabeth Höfling.
A nova ave, chamada popularmente de ’papagaio-careca’, recebeu o nome científico Pianopsita aurantiocephala (arte: Frederico Lencioni / imagens: reprodução- The Auk)
Às margens dos rios Cururu-Açu e São Benedito, dois afluentes da margem direita do rio Teles Pires, no Alto Tapajós, sudeste do Pará, os pesquisadores avistaram por acaso um curioso papagaio: careca, com cerca de 25 centímetros, 160 gramas e a cabeça bastante alaranjada.
Logo pensaram se tratar de uma nova espécie. Porém, antes de confirmarem a descoberta, tiveram que empreender longa investigação. A ave em questão já havia sido coletada em 1950 pelo ornitólogo alemão Helmut Sick, que imaginou se tratar de um exemplar sexualmente imaturo de uma espécie já conhecida: a curica-urubu ( Pionopsita vulturina ), também careca, mas com a cabeça preta. A hipótese de Sick era que os indivíduos jovens dessa espécie adquiriam a coloração enegrecida ao crescerem.
Os pesquisadores concluíram que, se o animal encontrado fosse adulto, seria mesmo de uma nova espécie. Comprovaram isso ao analisar o grau de ossificação do crânio e as gônadas (testículos) internas da ave. Os três coletaram com autorização do Ibama quatro espécimes da ave e as levaram para o Museu de Zoologia da USP: dois exemplares foram taxidermizados (empalhados) e os outros dois preservados inteiros em álcool. Mais tarde, descobriram ainda que os espécimes jovens de curica-urubu têm cabeça coberta de penas, e não laranja e careca. Quando eles começam a perder as penas e ficam adultos, a pele nua da cabeça já está preta.
Com auxílio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), os cientistas visitaram a coleção de ornitologia de dez museus do Brasil e do mundo para terem certeza de que a ave nunca tinha sido catalogada. Encontraram onze indivíduos da espécie recém-descoberta — todos classificados como curicas-urubu ( P. vulturina ).
Distribuição da curica-urubu ( Pionopsita vulturina ) e da nova espécie de papagaio P. aurantiocephala na região estudada
A nova ave foi batizada com o nome científico Pianopsita aurantiocephala ( aurantius = laranja; cephala = cabeça). “Papagaio-careca é o nome popular”, conta Raposo, hoje professor de ornitologia do Museu Nacional do Rio de Janeiro. “Ele deve surgir da forma como as pessoas da região chamam o animal.” Os cientistas descreveram a espécie em julho de 2002 na revista de ornitologia The Auk.
“São descobertas cerca de dez espécies de aves por ano”, explica Raposo. “Esse número é muito maior em outros grupos de vertebrados, como peixes e anfíbios.” O papagaio careca não está ameaçado de extinção pois a área em que foi encontrado está preservada. Mas os ornitólogos estão estudando o seu status de conservação e a evolução da espécie. “Se a área continuar preservada”, vaticina Raposo, “é provável que se encontrem mais espécies desconhecidas na região.”
Denis Weisz Kuck
Ciência Hoje On-line
13/11/02