Nova ciência reconstitui história do parasitismo

O parasitismo é inerente à vida. Desde o surgimento da vida, há cerca de 4 bilhões de anos, parasitas são encontrados em todas as espécies conhecidas. Todo organismo é um hábitat, uma fonte permanente de alimento e um meio eficaz de reprodução e dispersão. Reconstituir a história do parasitismo é a tarefa de uma nova ciência.

Múmia natural encontrada no Brasil que faz parte do acervo da Fiocruz. Múmias estão entre os primeiros objetos estudados pela paleoparasitologia (foto: Ricardo Beliel/Fiocruz)

“A paleoparasitologia estuda parasitas em material arqueológico ou paleontológico. Esses estudos resultam em dados sobre origem e evolução de doenças infecto-parasitárias e da relação entre parasita e hospedeiro”, explica Adauto Araújo, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro.

Adauto é co-autor de vários artigos publicados em um suplemento especial da revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz . Na publicação, disponível em inglês na internet, há 28 artigos sobre paleoparasitologia, de pesquisadores brasileiros e estrangeiros. “Esta é a primeira vez que se publica uma síntese dessa disciplina numa revista de circulação internacional, e já há demanda para um segundo número”, conta o pesquisador.

No início, a paleoparasitologia se resumia a estudos esporádicos de coprólitos (fezes fossilizadas) ou múmias com o mero objetivo de descrever as doenças que acometiam os antigos. O primeiro impulso para sua evolução foi dado nos anos 1960, quando história e arqueologia passaram a dialogar com áreas como paleontologia, medicina humana e veterinária, epidemiologia, geografia, genética e biologia molecular.

O reconhecimento da importância de se entender a evolução dos parasitas — aliado ao uso de modernas técnicas da biologia molecular, como a reação em cadeia da polimerase (PCR, técnica que permite fazer análise de DNA) — permitiu um grande desenvolvimento da paleoparasitologia nos últimos anos. “Hoje é possível fazer diagnósticos pela recuperação de DNA de até 10 mil anos atrás”, diz Adauto.

 

Fezes fossilizadas com mais de 7500 anos encontradas no sítio arqueológico de Pedra Furada, no Piauí (foto: Memórias do Instituto Oswaldo Cruz )

Os coprólitos, principal material de estudo dos paleoparasitologistas, são encontrados em sítios arqueológicos ou paleontológicos, em antigas fossas ou nos intestinos de corpos mumificados. Eles podem conter ovos, larvas e DNA de parasitas internos (endoparasitas), e sua análise permite inferir as condições sanitárias, de higiene e nutricionais dos povos antigos. Já os ectoparasitas (externos) — como ácaros, piolhos e carrapatos — são raramente encontrados. Mas podem ser preservados em âmbar ou estar fixados, na forma de lêndeas ou ovos, aos cabelos ou pele do hospedeiro.

 

As descobertas paleoparasitológicas podem ajudar a reconstituir o modo de vida de antigas civilizações, já que fatores como conquista de novos ecossistemas, desenvolvimento cultural, aquisição de novos hábitos alimentares e domesticação de animais contribuíram para mudanças na fauna parasitária do homem.

A nova ciência permite até reconstituir as migrações do homem no passado. “É possível traçar um mapa das parasitoses no passado e assim avaliar a origem, dispersão e evolução dessas doenças no tempo e no espaço”, diz Adauto. “Podemos saber de onde vieram e por onde chegaram aos continentes os parasitas e seus hospedeiros.” O futuro da paleoparasitologia é promissor: “Técnicas e métodos novos estão em desenvolvimento. Não há limites para as descobertas.”

 

 

Adriana Melo
Ciência Hoje on-line
09/06/03