Novo bioconservante

Para retardar a deterioração dos alimentos e reduzir o risco de contaminação por microrganismo, a indústria alimentícia recorre ao uso de conservantes. Mas as substâncias geralmente usadas com esse fim, como ácido sórbico e benzoico, além de alterar o sabor do produto, podem, em longo prazo, induzir a resistência de bactérias a biocidas no organismo do consumidor.

Um novo tipo de conservante, criado por pesquisadores de biotecnologia industrial da Universidade Positivo, de Curitiba, pode ser uma solução a esses problemas. Diferentemente dos aditivos tradicionais, sintetizados em laboratório, o novo produto é elaborado a partir da fermentação do melaço de soja (subproduto da extração de óleo do grão) por lactobacilos, bactérias inofensivas à saúde.

Na fermentação, os lactobacilos produzem bacteriocinas, ou seja, proteínas biologicamente ativas que impedem a ação de outras bactérias. Por terem origem em um processo natural, não são capazes de tornar os agentes infecciosos resistentes, como acontece com o uso contínuo de antibióticos, por exemplo.

A tecnóloga em alimentos Karine de Queiroga Bucholdz, que desenvolveu o bioconservante em seu mestrado, explica que o produto foi pensado para a conservação de ração animal, mas que pode ser usado também em alimentos para consumo humano.

“Bacteriocinas produzidas por lactobacilos já são empregadas na conservação de alimentos em outros países”, afirma Bucholdz. Mas, segundo a pesquisadora, para a cultura de lactobacilos geralmente se utiliza um caldo específico, conhecido pela sigla MRS, que custa aproximadamente 160 vezes mais do que o melaço de soja.

Karine de Queiroga Bucholdz
A tecnóloga em alimentos Karine de Queiroga Bucholdz no laboratório da Universidade Positivo. Bioconservante desenvolvido pela pesquisadora é mais barato e não induz a resistência bacteriana como similares tradicionais. (foto: Fábio Muniz)

Atualmente o melaço de soja é empregado principalmente na alimentação animal e na produção de biocombustível.

Escala industrial

Ao longo de dois anos, Bucholdz trabalhou com sete cepas de lactobacilos, das quais selecionou quatro que se mostraram eficientes contra bactérias patogênicas. Ao final, obteve um substrato que inibe a ação de microrganismos que provocam desde diarreia até quadros de gastroenterite e febre tifoide, como Clostridium perfringens, Escherichia coli e Salmonella spp.

Durante os testes, o bioconservante foi produzido nas formulações líquida e em pó, inicialmente em escala reduzida. Bucholdz trabalha agora, junto com uma empresa de fabricação de derivados de soja, no desenvolvimento de um processo de produção em escala industrial.

'Salmonella typhimurum'
Micrografia eletrônica de varredura mostra ‘Salmonella typhimurum’ invadindo cultura de células humanas. Bactéria, principal causadora de gastroenterite, tem ação inibida pelo novo bioconservante. (foto: Rocky Mountain Laboratories, NIAID, NIH)

A pesquisadora afirma que o bioconservante tem condições de substituir conservantes sintéticos, mas que seu uso, assim como o de aditivos tradicionais, não dispensa as indústrias de alimentos das boas práticas de fabricação, essenciais ao desenvolvimento de produtos seguros para consumo.

Segundo ela, é possível que o produto sirva ainda para desinfecção de ambientes, embora ainda sejam necessários estudos que comprovem a eficácia dessa aplicação.

A patente do processo de produção da substância foi depositada recentemente no Instituto Nacional da Propriedade Industrial.

Célio Yano
Ciência Hoje On-line/ PR