Novo caminho para envelhecer bem

Há mais de um século o mal de Alzheimer desafia a ciência. Sua primeira descrição foi feita em 1906 pelo alemão Alois Alzheimer (1864-1915), a partir do grave quadro de demência que encontrou na paciente Auguste Deter, em 1901, e acompanhou até sua morte, aos 56 anos, em 1906.

Hoje, estima-se que mais de 20 milhões de pessoas sejam vitimadas pelo mal, que afeta sobretudo indivíduos com mais de 60 anos – um universo cada vez maior de pessoas, num mundo em que a expectativa de é vida crescente. A Organização Mundial de Saúde (OMS) prevê aumento de 66% na ocorrência de Alzheimer e outras formas demência até 2030, em comparação aos números de 2005.  

Pesquisadores descobriram proteína ligada à produção do beta-amiloide no cérebro, elemento-chave para o mal de Alzheimer

Pesquisas incansáveis buscam entender a doença, que ataca a capacidade cognitiva e causa a degeneração progressiva da memória. Agora, uma pesquisa publicada pela Nature nesta semana aponta um caminho promissor para se chegar a uma saída.

Pesquisadores norte-americanos descobriram uma nova proteína que está diretamente ligada à produção nociva do beta-amiloide no cérebro, um elemento-chave para o mal de Alzheimer.

O acúmulo do beta-amiloide, um segmento de proteína, é considerado um dos principais fatores associados à doença, compondo as placas senis que se formam no cérebro das vítimas da doença.

Um dos líderes da pesquisa, Paul Greengard, do Laboratório de Neurociência Molecular e Celular na Universidade Rockefeller, em Nova York, conta que já foram feitas muitas tentativas para reduzir a sua formação no passado. Mas a tarefa não é simples:

“Geralmente se procura conter sua produção a partir da inibição da gama-secretase, que é a enzima responsável pela produção do beta-amiloide”, explica ele à CH On-line. “Porém, essas tentativas tiveram pouco sucesso, em parte porque a inibição de gama-secretase pode levar a efeitos colaterais graves, incluindo sangramento gastrointestinal e câncer de pele.”

Inibição parcial

Explica-se: o beta-amiloide é um segmento proteico formado a partir da quebra (ou clivagem) de uma proteína transmembrana conhecida como APP. A quebra é feita por uma enzima – gama-secretase. Inibir esta enzima, assim, poderia impedir a produção indesejável do segmento proteico. Porém, a mesma enzima é indispensável para o desenvolvimento e equilíbrio do organismo, explica Greengard.

“A gama-secretase converte muitas proteínas precursoras em moléculas ativas que têm papel fundamental para manter o nosso sistema imunológico, o trato digestivo e para inibir o desenvolvimento do câncer”, diz o neurocientista, um dos vencedores do Nobel de Medicina ou Fisiologia em 2000

Índices do beta-amiloide e desenvolvimento deplacas ligadas ao Alzheimer diminuíram no cérebro de camundongos

E se fosse possível inibir a gama-secretase de forma seletiva, mirando apenas na formação do beta-amiloide? Foi mais ou menos esse efeito que os pesquisadores conseguiram obter a partir da nova enzima que descobriram, a GSAP – sigla em inglês para ‘proteína ativadora de gama-secretase’.

A inibição da GSAP foi testada em camundongos, que tiveram o gene para a enzima silenciado. Passados seis meses, os pesquisadores verificaram que os índices do beta-amiloide no cérebro dos animais haviam diminuído significativamente (em torno de 40%), assim como o desenvolvimento das placas ligadas ao Alzheimer.

“Como a GSAP se mostrou muito seletiva em relação à formação do beta-amiloide sem influenciar outras funções da gama-secretase, ela oferece, potencialmente, uma abordagem muito mais segura para tratar a doença”, considera Greengard. “Ainda há muito a fazer antes de testar seu efeito em humanos, mas estamos otimistas em função de seu mecanismo seletivo.”

Remédio contra câncer

Os pesquisadores chegaram à nova enzima ao estudar os efeitos de um medicamento usado contra determinados tipos de câncer, o imatinib (conhecido como Gleevec, seu nome comercial). Em 2003, eles descobriram que o fármaco reduzia significativamente a produção do beta-amiloide, mas o mecanismo para tal era desconhecido.

“Agora, demonstramos que a GSAP é a proteína sobre a qual o medicamento influi para reduzir o beta-amiloide e a formação de placas. Assim, a enzima oferece um alvo terapêutico novo e imediato para o tratamento do mal de Alzheimer”, ressalta.

“Estamos confiantes de que este novo caminho pode levar a tratamentos bem-sucedidos para essa doença intratável e importante”

Há, porém, uma barreira imposta pelo próprio organismo a se superar: o medicamento não consegue ultrapassar a barreira hematoencefálica, a fronteira que ‘filtra’ as substâncias químicas presentes no sangue antes de chegarem ao sistema nervoso central.

Segundo Greengard, a equipe está procurando desenvolver derivados relacionados à droga que possam entrar no cérebro e reduzir a formação do beta-amiloide com eficácia. Outra opção, aponta, será silenciar o gene da GSAP para prevenir a produção de placas do beta-amiloide no cérebro.

Antes disso, porém, é preciso conhecer melhor os papeis desta enzima, sobre a qual pouco se sabe. “Temos que avaliar a fundo suas funções fisiológicas antes de adotar uma solução como esta”, diz Greengard. “Ainda há um longo caminho para que as nossas descobertas se traduzam em práticas clínicas. Porém, estamos confiantes de que este novo caminho pode levar a tratamentos bem-sucedidos para essa doença intratável e importante”, destaca.

Júlia Dias Carneiro
Ciência Hoje On-line