Pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (ICB/UFMG) acabam de dar mais um passo na elaboração da nova vacina contra a brucelose, mal que atinge rebanhos do mundo inteiro e, só no Brasil, gera prejuízos de cerca de US$ 30 milhões por ano. Os cientistas identificaram, na bactéria que causa a doença, a estrutura que desencadeia a resposta do sistema imunológico do hospedeiro.
A brucelose é causada pela bactéria Brucella abortus (foto)
A brucelose atinge bois, porcos, cabras e outros animais de criação. Ela causa aborto e infertilidade no gado e pode ser transmitida para o homem pela ingestão de leite ou derivados contaminados. Como a vacina atual contém bactérias vivas atenuadas e só pode ser ministrada a fêmeas de três a oito meses de idade, fêmeas adultas e machos correm o risco de desenvolver a infecção. Por isso, a principal forma de conter a propagação da doença é o abate dos animais infectados.
Em busca de uma vacina universal que auxilie na prevenção e erradicação dessa zoonose (doença transmitida ao homem por animais), o grupo desvendou a estrutura do lipopolissacarídeo (LPS) presente na superfície da Brucella abortus , bactéria causadora da infecção. Os cientistas descobriram também a quais receptores essa molécula se liga no sistema imunológico do hospedeiro.
“A identificação desses receptores é importante porque, através deles, o sistema imune é ativado após o encontro com um invasor”, explica Sérgio Oliveira, coordenador do projeto. Nesse processo, o receptor reconhece o agente causador de doença e informa às células sua natureza (bactéria, fungo, parasita, etc), para que elas possam, então, preparar a defesa do organismo.
A descrição da estrutura do LPS e de seus receptores foi relatada em janeiro na revista Infection and Immunity , editada pela Sociedade Americana de Microbiologia (ASM). A instituição elegeu o estudo como um dos seis destaques do mês no informativo que reúne os artigos mais importantes publicados nos 12 periódicos da ASM.
O estudo mostrou a forma como o LPS provoca a resposta do sistema imunológico do hospedeiro: a molécula induz indiretamente os linfócitos T a produzir o interferon-gama, proteína que ativa as unidades responsáveis por destruir microorganismos estranhos.
A descoberta permite que, em um futuro próximo, seja desenvolvida uma vacina contra a brucelose a partir do uso de moléculas de LPS isoladas como adjuvantes (agentes potencializadores). Isso dispensaria o uso de bactérias vivas e diminuiria o risco de os animais vacinados contraírem a doença. O grupo da UFMG pretende continuar seus estudos testando o LPS em vacinas ministradas a camundongos e estima que a pesquisa se estenda por mais um ano.
Como a resposta do sistema imune contra o LPS não é específica para um determinado tipo de invasor, é provável que a descoberta auxilie também no tratamento de outras doenças infecciosas: o LPS isolado de bactérias cultivadas em laboratório poderia potencializar o efeito das vacinas contra elas. No estudo da UFMG, que contou também com a participação do pesquisador Igor Almeida, da Universidade de São Paulo (USP), a estratégia está sendo testada na imunização contra a malária, em animais experimentais.
Catarina Chagas
Ciência Hoje On-line
11/03/04