Novo passo rumo à computação quântica

Por meio de um sistema que inclui um feixe de luz laser, um cristal e um painel de espelhos, os pesquisadores da UFRJ simularam os efeitos do ambiente sobre o fenômeno quântico conhecido como emaranhamento.

Pesquisadores brasileiros deram um importante passo rumo ao desenvolvimento da computação quântica, uma área que promete a construção de computadores infinitamente mais velozes que os produzidos atualmente. Um grupo do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro, liderado por Luiz Davidovich, Paulo H. Souto Ribeiro e Stephen P. Walborn, conseguiu medir pela primeira vez os efeitos do ambiente sobre um sutil fenômeno que ocorre entre duas partículas. Os resultados, publicados na revista Science

desta semana, são fundamentais para o aprimoramento de tecnologias de transmissão e processamento de dados por meio dessas partículas.

 

O fenômeno estudado pela pesquisa é o emaranhamento, um dos mais estranhos e complicados do mundo das moléculas e dos átomos, ou seja, do mundo quântico. Quando duas partículas estão emaranhadas (por exemplo, fótons, pequenas partículas de luz), ocorre um tipo de ‘ligação telepática’ entre elas. A partir da medição das propriedades de uma é possível inferir o estado da outra simultaneamente, mesmo que elas estejam separadas por milhões de anos-luz. Albert Einstein denominava o fenômeno como uma “fantasmagórica ação à distância”.

 

A partir dos anos 90, aumentou a busca pela compreensão do emaranhamento, já que esse processo, apesar de muito sutil e frágil, passou a ser considerado fundamental para o desenvolvimento da computação quântica. Essa ‘ligação’ entre partículas possibilita uma troca de informações muito mais rápida que a produzida pelos bits

, usados na computação atual, mas isso depende de quanto tempo se pode manter o emaranhamento.

 

Em vez de átomos, fótons

 

Para os estudos teóricos desse fenômeno, o mais comum era o uso de átomos, o que encarecia e dificultava um futuro estudo experimental. Diante desse obstáculo, o grupo de brasileiros tomou a iniciativa pioneira de usar fótons, em vez de átomos, na pesquisa. Muito mais fáceis de serem analisados, os fótons têm características que permitem uma melhor visualização do emaranhamento. “Esse foi o nosso grande truque: substituir o uso de átomos, um trabalho árduo e caro, pela análise de certas propriedades dos fótons”, diz Davidovich. A propriedade em questão é a polarização, ou seja, a direção em que essas partículas oscilam.

 

Quando se formam pares de fótons emaranhados (‘fótons gêmeos’), eles apresentam uma polaridade que pode ser vertical ou horizontal. Um fóton com polarização vertical é o que tem a ‘maior quantidade de energia possível’ (estado excitado de um átomo), enquanto o que se movimenta na horizontal não tem nenhuma (estado fundamental de um átomo). Quando a partícula entra em contato com o ambiente, a tendência é que ela perca energia para ele até atingir o mesmo estado de seu par correspondente. Isso acontece porque o ambiente altera as propriedades dos fótons por dissipação (atrito), difusão (mudanças aleatórias de trajetória) e decaimento (isto é, uma partícula excitada decai para seu estado de energia mais baixo).

 

Experiência pioneira

 

Por meio do processo com fótons, o grupo da UFRJ conseguiu no ano passado um feito inédito

: a análise do emaranhamento de forma direta em laboratório. Agora, os efeitos do ambiente sobre o fenômeno também puderam ser analisados pela primeira vez.

 

Os fótons gêmeos são produzidos após a passagem de um feixe de luz laser por um determinado cristal. No experimento, os pesquisadores analisaram a evolução do estado emaranhado de polarização de dois fótons. Cada fóton analisado passou por um dispositivo capaz de girar sua polarização e alterar o seu caminho, fazendo o papel que seria do ambiente. “Ao ser atingido, um fóton com polarização vertical pode ganhar uma polarização intermediária, mudando seu estado aos poucos”, explica o pesquisador Stephen Walborn.

 

Ao final do percurso, a polarização do fóton e o nível de emaranhamento foram medidos. Com base nos resultados, os pesquisadores conseguiram comprovar que a correlação quântica entre as partículas termina antes mesmo que os fótons percam totalmente sua polarização vertical, em um efeito chamado de ‘morte súbita’. “Mas nem todos os estados emaranhados estão sujeitos a esse efeito”, acrescenta Walborn.

 

Desafio

 

Todo processo de transmissão de informação é feito com grandes possibilidades de erro. No caso da computação quântica, a correção desse erro é possível, desde que haja emaranhamento entre as partículas usadas. Segundo Davidovich, se existe a chance de o fenômeno acabar subitamente, a correção de erros deve ser feita antes que isso aconteça. “Agora estamos diante do desafio de criar novos métodos que usem apenas as partículas que têm um grau de emaranhamento mais estável.” 

 

 

 

João Gabriel Rodrigues

 

Ciência Hoje On-line

26/04/2007