O anoitecer em technicolor

Animais vertebrados de hábitos noturnos podem enxergar no escuro, mas pagam um preço por essa sensibilidade: eles não conseguem distinguir cores. No entanto, pesquisadores da Universidade de Lund, na Suécia, descobriram uma espécie ’sortuda’: a lagartixa noturna Tarentola chazaliae é o primeiro vertebrado conhecido capaz de diferenciar cores ao anoitecer.

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Lagartixa noturna da espécie Tarentola chazaliae , comum na costa nordeste da África (fotos: Lina Roth)

A descoberta foi relata em um artigo publicado em novembro na revista Biology Letters

. A bióloga Lina Roth, principal autora da pesquisa, resolveu estudar essas lagartixas após observar que as células fotorreceptoras de sua retina eram semelhantes às do primeiro invertebrado encontrado que também enxerga cores na penumbra – uma mariposa do grupo dos esfingídeos.

 

Para testar se a lagartixa realmente enxerga cores ao anoitecer devido à presença desses fotorreceptores, a equipe de Roth utilizou dois espécimes de T. chazaliae

, um macho e uma fêmea, obtidos com criadores de animais suíços. Os animais foram mantidos em um compartimento de vidro de 70 x 40 cm com areia e vários abrigos.

 

Os animais eram alimentados com 5 ou 6 cigarras três vezes por semana e foram treinados para associar cigarras apetitosas à cor azul e cigarras ’desagradáveis’ (salgadas) à cor verde. Se as lagartixas mordessem a cigarra tingida de azul segura em um pinça, receberiam outro inseto como recompensa; se fosse uma pintada de verde, uma outra, de cor azul, seria oferecida, para não haver perda de interesse. “As cigarras associadas à cor verde tinham sido banhadas em uma solução saturada de sal (NaCl) e, após um tempo, as lagartixas nunca comiam elas”, destaca Roth.

 

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Foto do olho da Tarentola chazaliae na luz (esq.) e no escuro (dir.)

 

Roth explica que a maior parte dos vertebrados possui uma retina dupla com um tipo especial de bastonete (células fotorreceptoras sensíveis à luz, mas incapazes de registrar cores e usadas para enxergar à noite) e múltiplos tipos de cone (células sensíveis à intensidade luminosa elevada e capazes de detectar cores e detalhar imagens, utilizadas durante o dia). “As lagartixas se diferenciam por não ter esses bastonetes, mas três tipos de cones: um para a luz violeta, um para a azul e outro para a verde”, diz Roth à CH On-line

.

 

A bióloga também esclarece que esses animais descendem do lagarto diurno, que tem apenas cones na retina e, por isso, apresenta uma visão extremamente colorida. “Como uma adaptação para seu estilo de vida noturno, os cones da retina da lagartixa se tornaram maiores e mais parecidos com bastonetes do que os do lagarto diurno”, afirma Roth. “Isso permite que eles capturem muito da pequena quantidade de luz disponível durante a noite.”

 

Por enxergar em condições de baixa intensidade de luz, a T. chazaliae

pode distinguir alimentos camuflados, companheiros, predadores e pontos de referência enquanto se movimentam em ambientes desiguais e competitivos. Os pesquisadores ainda estão estudando como essa habilidade é usada exatamente pela lagartixa e qual é o grau de precisão da identificação noturna das cores.

 

“É surpreendente ver como a natureza é diversa e investigar animais que possuem habilidades que nunca vamos experimentar”, comenta Roth. Suspeita-se que o sapo seja um outro vertebrado capaz de distinguir cores em baixas intensidades de luz. Ao invés de ter na retina células de um único tipo, como os lagartos, esse animal possui também dois tipos de bastonetes que poderiam ser usadas para essa finalidade. “Essa aptidão extraordinária pode ser mais comum do que pensamos”, acredita a bióloga.


Renata Moehlecke
Ciência Hoje On-line
03/12/04