O Brasil no cenário das mudanças climáticas

As conclusões sobre o futuro do clima na Terra, anunciadas no 4 o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), nunca foram tão claras. Mas, quando o problema é analisado no âmbito regional, a certeza dá lugar a projeções. Dúvida, porém, não é sinônimo de alívio. Pelo menos não para o Brasil. Com previsões alarmantes, pesquisadores brasileiros ressaltam a necessidade de políticas que permitam a adaptação da população às mudanças que virão.

Segundo especialistas, as mudanças climáticas derivadas do aquecimento global podem provocar maior escassez de recursos hídricos no semi-árido do Nordeste e secas mais intensas e prolongadas.

“As temperaturas poderão subir entre 2 e 6 o C no Brasil até o final do século, dependendo do cenário de emissões globais considerado”, afirma o meteorologista e membro do IPCC Carlos Nobre, do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Segundo ele, é provável que haja maior escassez de recursos hídricos no semi-árido do Nordeste e secas mais intensas e prolongadas, o que tornará a população rural nordestina mais vulnerável. “Pode-se esperar grande perda da rica biodiversidade dos biomas tropicais de floresta na Amazônia e do cerrado no Centro-oeste”, complementa.

A impossibilidade científica de precisar a extensão dos impactos leva a opiniões divergentes. Há consenso, no entanto, quanto aos prejuízos que estão por vir. “Deve-se esperar um aumento da ocorrência de fenômenos meteorológicos extremos, como tempestades severas, inundações, vendavais, além de secas mais freqüentes, o que levará a um recrudescimento dos desastres naturais”, acrescenta Nobre.

Para Emílio La Rovere, coordenador do Laboratório Interdisciplinar de Meio Ambiente (Lima) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro do IPCC, é possível também avaliar conseqüências de ordem urbana no país. “Com o calor, teremos maior incidência de mosquitos transmissores da dengue e malária”, alerta. “Além disso, aquecimento global pode significar maior índice de chuvas, o que, em regiões metropolitanas, é sinônimo de enchentes e desabamentos.”

O aumento da temperatura será também, segundo anunciado pelo relatório, indicativo de elevação do nível dos oceanos de 28 a 59 centímetros até o ano 2100. Para o Brasil, isso significa desestruturação da costa brasileira e conseqüente ocupação desordenada do interior.

É preciso se adaptar
Conforme revelam dados do relatório, mesmo que voltássemos aos níveis de emissão de gás carbônico (principal causador do aquecimento global) do ano 2000, o planeta manteria taxa de aquecimento de 0,1 o C por década. A ordem, nesse caso, é pensar em adaptação. “Eliminar a pobreza é uma poderosa ferramenta para permitir às populações fazerem frente a extremos climáticos. Para um país com uma base econômica centrada em recursos naturais, políticas de adaptação devem ser elaboradas e implementadas setorialmente”, afirma Carlos Nobre. “Pensar em qual será a matriz da produção agrícola brasileira daqui a 50 anos, assumindo os cenários de mudanças climáticas, é essencial”, complementa.

Amazônia é um tema à parte. A certeza é de que a floresta esquentará. “Não se sabe ainda se choverá mais ou menos”, diz Emílio La Rovere. Segundo o físico da Universidade de São Paulo Paulo Artaxo, também membro do IPCC, a região central do Brasil e a Amazônia serão ‘brindadas’ com um aquecimento mais forte que a média mundial, da ordem de 3 o C. “A taxa de precipitação vai cair no Brasil central”, afirma. “A adaptação será muito difícil no setor da agricultura, o que torna fundamental o desenvolvimento de culturas com espécies adequadas ao menor índice de chuva”, pondera. Para Carlos Nobre, a projeção é de que desapareçam inúmeras espécies: “O Brasil tem muito a perder.” 

O relatório do IPCC destaca a queima de combustíveis fósseis como principal responsável pela emissão de gases de efeito estufa.

Os responsáveis pelo problema não são omitidos. “O relatório do IPCC atribui ao desmatamento uma responsabilidade da ordem de 15% pela emissão de gases de efeito estufa. Claro que o foco principal é reduzir a emissão dos 85% relativos à queima de combustíveis fósseis”, afirma Artaxo. Desmatar é a prática brasileira que coloca o país em quinto lugar entre os maiores emissores de gás carbônico do mundo. La Rovere lembra, no entanto, que relatórios como o divulgado recentemente não estão focados em atribuir responsabilidades aos países: “Apenas sinalizamos os cenários possíveis.”

Carlos Nobre explica que, ao avaliar as emissões per capita , o Brasil sai do ranking de maiores emissores. “Nesse quesito, não ocupamos os primeiros lugares, mesmo considerando-se o total de emissões, incluindo os desmatamentos”, afirma. Ele lembra que as mudanças na cobertura vegetal responderam por mais de 70% das emissões do Brasil durante os anos 90. “Porém, as taxas de desmatamento da floresta amazônica caíram nos últimos dois anos: de cerca de 27 mil km 2 em 2004 para menos de 14 mil km 2 em 2006”, argumenta.

Na mira das ações
O país precisa ser mais severo em suas posições quando o tema é meio ambiente, concordam os especialistas. “A política ambiental brasileira certamente terá que ser reformulada, assim como a de muitos países que estão evoluindo, levando em conta as novas conclusões do relatório do IPCC”, sustenta Paulo Artaxo. “Já estamos atrasados em relação à maioria dos países em desenvolvimento na implementação de políticas de adaptação”, alerta Carlos Nobre. “Ainda assim, somos um exemplo a ser seguido por causa da diminuição dos índices de desmatamento”, diz.

O desmatamento no Brasil coloca o país em quinto lugar entre os maiores emissores de gás carbônico do mundo.

Para Emílio La Rovere, é hora de aumentar os esforços de pesquisa tecnológica no setor energético, em busca de fontes mais limpas. “Se for preciso, devemos reduzir o crescimento, pensar em adaptação e identificar as áreas de maior vulnerabilidade ambiental dentro do país”, sugere.

Entre as alternativas energéticas para o Brasil, estão os biocombustíveis. Mas o ecólogo e membro do IPCC Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), alerta: “Acredita-se hoje que a capacidade do país para produzir biocombustíveis é ilimitada. Isso é um grave erro. Existe um limite: o ambiental.” Segundo Fearnside, o perigo reside em optar pelo desmatamento na hora da produção do óleo.

Ladeira abaixo
Se os resultados apresentados no relatório do IPCC assustam, a expectativa para os próximos, segundo os especialistas, não é melhor. ”As previsões foram mais conservadoras do que a realidade. A situação pode ser ainda pior”, alerta Artaxo. “Os verdadeiros impactos regionais para o Brasil ainda são em grande parte desconhecidos”, lembra La Rovere.

Carlos Nobre conta que, no lançamento desse 4 o relatório, houve debate sobre as projeções de aumento do nível do mar até o final do século. Segundo ele, alguns estudos muito recentes – que, justamente por isso, não entraram na síntese – indicam que a taxa de aumento do nível do mar pode ser mais alta, devido à aceleração do derretimento de geleiras na Groenlândia e Antártida Ocidental. “Isso significa que um aumento de até 1,4 metros pode ser esperado até o final do século”, conclui. 

Juliana Tinoco
Especial para Ciência Hoje On-line
14/02/2007