O carnaval reabilitado

(foto: Roberto Tostes).

O carnaval é conhecido como uma época do ano em que tudo é permitido. Nesse contexto de permissividade, seria de se esperar que houvesse uma maior disseminação de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) durante esse período. No entanto, um estudo pioneiro de pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF) mostra que não é bem assim: a festa mais popular do Brasil não afeta a incidência de algumas das principais DSTs que afetam a população do país, entre elas, sífilis, gonorréia e tricomoníase.

A conclusão foi tirada na dissertação de mestrado de Wilma Nancy Arze, defendida este mês na UFF sob a orientação dos médicos Mauro Romero Leal Passos e Maria Luiza Garcia Rosa. Os pesquisadores analisaram os 2.646 casos dessas três doenças registrados entre 1993 e 2005 no ambulatório médico da UFF, em Niterói, RJ. Os resultados mostram que a incidência dessas DSTs praticamente não se alterou durante os meses que se seguiram ao carnaval, nos quais elas teriam se manifestado após seu período de incubação.

A motivação do estudo veio de uma constatação de Mauro Romero Passos, que trabalha com DSTs desde 1980. Ele percebeu que, depois da festa, não havia um aumento da procura de pessoas por atendimento no ambulatório da UFF. Os médicos analisaram estatísticas relativas a 13 anos e concluíram que a maioria dos casos de gonorréia e sífilis se concentravam no mês de junho e julho, enquanto os de tricomoníase predominavam em julho e agosto.

Os pesquisadores levantaram ainda dados do Sistema Único de Saúde (SUS) que confirmaram que não houve aumento do número de internações por abortamentos em hospitais públicos em todo o Brasil, e que o mês com maiores índices de nascimentos seria maio. Uma pesquisa feita em cinco motéis das cidades de Niterói e Rio de Janeiro revelou ainda que durante o carnaval, assim como em outros feriados prolongados, a lotação é baixa. “O período de maior ocupação dos motéis é no mês de junho, época do dia dos namorados”, comenta Passos. “A idéia difundida entre a população de que se pratica mais sexo no carnaval pode ser um mito”.

Exagero da mídia
Segundo Mauro Romero, a libertinagem associada ao carnaval faz parte do imaginário popular e não condiz totalmente com a realidade. “A mídia vende a idéia de que o carnaval estaria intensamente ligado a uma imagem de erotismo e sexualidade, mas há um pouco de exagero”, afirma o médico.

As DSTs estão entre as causas mais freqüentes de procura por hospitais em países em desenvolvimento. Dados do Programa Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde indicam que surgem no Brasil a cada ano cerca de 4,4 milhões novos casos de tricomoníase, 1,5 milhão de gonorréia e 940 mil de sífilis.

Mauro Passos acredita que as campanhas do governo deveriam se adaptar a essa constatação. Campanhas de conscientização e distribuição de preservativos focadas no período do carnaval podem ser um equívoco. Ao contrário, reforçariam a idéia de que este seria um período de maior promiscuidade. “É necessário conscientizar as pessoas durante todo o ano. Uma campanha concentrada durante um mês não é capaz de controlar a epidemiologia das doenças”.

Este ano, o Ministério da Saúde afirmou que serão distribuídas 20 milhões de camisinhas em todo o país durante o carnaval. Mas, de acordo com o médico, as campanhas do governo são voltadas para públicos específicos, como meninas entre 15 e 25 anos. Não haveria uma preocupação de se falar para a população em geral. Outro obstáculo seria o fato de as campanhas serem concentradas, sobretudo, no combate à transmissão do HIV, em detrimento de outras DSTs. “As pessoas que acreditam estar fora do risco de contrair a Aids acabam por não se proteger contra outras doenças.”

Igor Waltz
Ciência Hoje On-line
29/01/2008