Kaká, Ronaldinho, Pelé e Tostão. Craques brasileiros, ídolos. Alguns mitos. Mitos com uma singularidade: têm apelidos de gente comum, diminutivos carinhosos. O que poderia ser apenas uma engraçada coincidência é, na verdade, prática repetida à exaustão com milhares de jogadores brasileiros. Então, fica a pergunta: o que será que os inhos no final do nome dos nossos ídolos dizem sobre o Brasil?
Para o ensaísta, compositor, pianista e – também – fã de futebol José Miguel Wisnik, os apelidos dos ídolos dizem muito sobre o que somos.
Em um debate na sexta-feira passada que uniu futebol e ciências sociais e humanas na Fundação Getúlio Vargas (FGV – RJ), o autor do livro Veneno remédio (2008), obra que traça as linhas de encontro e desencontro entre o futebol e os hábitos dos brasileiros, disse:
– A gente não abre mão de chamar nossos heróis de forma infantil. É a nossa clássica mistura do privado e do público, como explica Sérgio Buarque em Raízes do Brasil. Temos medo de assumir responsabilidades. Não somos como os europeus. Quando eles entram em campo, vemos um desfile de sobrenomes.
Wisnik, que estava na mesa junto com o mediador Bernardo Buarque de Hollanda, era só parte de um evento. Durante todo o dia, falou-se também de temas como o Museu do Futebol, em São Paulo, e a relação do cinema com o esporte.
Dribles em palavras
É inegável, no entanto, que o ponto forte do dia foi a manhã, quando Wisnik falou. Quem já o viu dissertar, seja sobre música, política e outros assuntos, sabe o dom que o ensaísta tem com a palavra. E sabe também a sua capacidade – nada leviana – de fazer a ligação de tudo com qualquer coisa. Ouvindo-o, acreditamos que o mundo é feito de conexões.
Assim, a comparação do homem cordial (aquele que pretere as formalidades), de Sérgio Buarque, com o modo que o brasileiro trata o futebol não soa forçada. Também vai bem a analogia entre Macunaíma e Garrincha, “um avatar do personagem de Mário de Andrade”, segundo Wisnik.
Em época de Copa do Mundo, não houve como fugir da pergunta: qual seria o Brasil representado pela seleção de Dunga?
Wisnik responde no vídeo abaixo.
* Assista ao vídeo com legendas em português aqui
Um museu popular
Na mesa da tarde, foi a vez da diretora do Museu do Futebol, Clara Azevedo, contar sua experiência em São Paulo: tocar um museu destinado à preservação do esporte num lugar que se intitula ‘país do futebol’. E mais: organizar a empreitada dentro do estádio do Pacaembu, casa informal do Corinthians, o maior clube da cidade.
– É muito legal ter um museu sobre futebol dentro de um estádio. É a história acontecendo debaixo do seu nariz. Em jogos menores, o estádio funciona junto com o jogo, dá para sentir a vibração da arquibancada – conta Clara, que tem de lidar com algumas críticas. – Muita gente diz que o museu usa só tecnologia, que é um museu sem acervo. Acho isso uma besteira.
Oferta de acervo, aliás, é o que não falta ao Museu do Futebol. Clara diz que vários colecionadores já quiseram deixar aos cuidados dela suas preciosidades, que variam de “15 chaveiros do Corinthians” a “fotos antigas de jogos de futebol”.
A diretora acha a questão delicada, já que não pode lidar com tanta demanda para conservação de objetos. Mas avisa que anota todos os pedidos e, otimista, pondera:
– No fundo, é uma questão positiva. Porque em nenhum outro museu acontece de ter gente oferecendo peças de modo gratuito. É sinal de que o país tem uma preocupação com a memória.
A bola na tela
Na última mesa, estavam os professores Hernani Heffner e Victor de Melo, ambos para falar sobre os filmes que têm o futebol como temática. O cerne do discurso dos dois foram “as dificuldades” – os contratempos técnicos de se realizar um filme sobre futebol, esporte tão imprevisível que não comportaria o cinema – e a já conhecida incapacidade de se conservar películas no Brasil. (Esta última ‘dificuldade’ soa irônica num espaço em que, logo antes, a curadora do Museu do Futebol dera o seu relato sobre futebol e memória.)
Outra curiosidade, e agora sobre o evento como um todo, foi o assunto insistente nas três mesas: a imprevisibilidade do futebol e como ela afeta a área de interesse dos palestrantes. São muitos os relatos, mas fica a citação de Wisnik – o homem que acha o elo entre qualquer tema – do trecho da letra de O futebol, de Chico Buarque, que canta o que a mágica do drible pode fazer com a vida.
parábola do homem comum
roçando o céu
um
senhor chapéu
Thiago Camelo
Ciência Hoje On-line