O genoma não é mais aquele

Junho de 2007 será possivelmente lembrado nos livros de história da ciência como o mês em que mudou nossa visão sobre o funcionamento do genoma. Após concluir a mais detalhada análise já feita de uma pequena fração do genoma humano, um consórcio internacional de cientistas se deu conta de que é preciso rever alguns conceitos básicos da genômica.

O panorama que emerge do estudo é o de um genoma complexo, que está longe de se resumir às seqüências com as instruções para a síntese de proteínas. Ao lado delas, há elementos com funções variadas, como regular a atividade dos genes ou manter a estrutura dos cromossomos. E, ao contrário do que se acreditava, são muito poucas as seqüências não transcritas em RNA – nada mais distante da antiga visão na qual poucos genes se espalhavam em um vasto deserto genômico.

O projeto Encode foi criado há quatro anos para mapear todos os elementos funcionais do genoma humano.

Esta é a conclusão de um projeto criado para mapear com detalhamento sem precedentes todos os elementos funcionais do genoma humano. A Enciclopédia dos Elementos do DNA (Encode, na sigla em inglês) apresentou hoje seus primeiros resultados, publicados com destaque nas revistas Nature e Genome Research , que dedicou ao tema sua edição de junho, com 28 artigos.

O projeto envolve um monumental esforço coletivo de pesquisa, que integra centenas de cientistas de 35 grupos sediados em 11 países. À frente do projeto, está o Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano (Estados Unidos), capitaneado por Francis Collins. Os resultados divulgados hoje são fruto de quatro anos de pesquisa, ao custo de 42 milhões de dólares.

E isso é só a ponta do iceberg. O projeto Encode analisou apenas 1% do genoma humano, ou cerca de 30 milhões de bases de DNA. O estudo apresentado hoje é um piloto para avaliar a metodologia usada, que será aplicada ao resto do genoma – o financiamento já foi aprovado e o estudo deve começar em setembro.

O ‘DNA-lixo’ em xeque
Uma das mais importantes constatações do estudo é a de que a maior parte das seqüências do genoma humano são transcritas em moléculas de RNA, que transportam a informação genética contida no genoma. Essa descoberta deve levar a uma revisão do conceito de ‘DNA-lixo’, como muitos se referiam às seqüências genéticas que supostamente não eram transcritas e tampouco tinham funções conhecidas.

“O projeto reforçou que esse ‘lixo’ não é lixo, está muito ativo, pelo contrário”, disse em entrevista coletiva à imprensa Ewan Birney, bioquímico do Instituto Europeu de Bioinformática e co-autor do estudo. “Uma das grandes surpresas foi constatar que as regiões entre os genes parecem estar muita ativas, não só com elementos de regulação, mas com muita transcrição de RNAs.”

Esses resultados ajudam a entender algumas constatações intrigantes de estudos anteriores. Não se sabia explicar, por exemplo, por que os genes que codificam proteínas representavam uma fração tão pequena do genoma (inferior a 5%), ou por que regiões que aparentavam ser extensos desertos genômicos se mantinham conservadas.

O estudo identificou ainda diversos elementos regulatórios e permitiu uma melhor compreensão de como essas seqüências se distribuem no genoma e de como elas controlam a atividade dos genes. O mapeamento permitiu também entender melhor a interação entre o genoma e as histonas, proteínas envolvidas na replicação e organização do DNA, além de trazer pistas importantes para explicar como a evolução dos mamíferos se deu em escala genômica.

As conclusões do estudo trazem informações valiosas para as pesquisas que investigam a predisposição genética a doenças. “A vasta maioria das variações genéticas associadas a males comuns como o diabetes ou doenças cardiovasculares parece estar nas regiões regulatórias do genoma”, conta Francis Collins. “O projeto Encode é uma ferramenta muito poderosa para começar a entender como essas variações podem afetar o risco de doenças.”

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
13/06/2007