O instante é uma ilusão?

Um sapo quer atravessar um rio. Antes disso, precisa pular metade da distância que o separa da outra margem. Em seguida, deve percorrer metade do caminho que resta, e assim por diante. Acontece que sempre faltará um trecho do trajeto que, por menor que seja, pode ser dividido por dois e, portanto, percorrido pela metade. Segundo esse raciocínio, o sapo nunca atingirá seu objetivo.

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A persitência da memória , tela de 1931 do catalão Salvador Dalí

 

Já ouviu falar nesse paradoxo? Ele tem cerca de 2500 anos e foi proposto primeiramente pelo filósofo grego Zenon de Eléia. Desde então, o debate sobre a natureza e a continuidade do movimento e do tempo tem mobilizado físicos, filósofos, matemáticos… e estudantes. Como o neozelandês Peter Lynds, de 27 anos, autor de um artigo que tem feito barulho no meio científico.

Embora curse a universidade há apenas seis meses, ele vem sendo apresentado na imprensa e em listas de discussão na internet como um pequeno gênio. O candidato da vez a novo Einstein causou polêmica ao ter um texto publicado na revista Foundations of Physics Letters de agosto. Nas pouco mais de seis páginas do artigo “Tempo e mecânica clássica e quântica: indeterminação x descontinuidade”, ele desafia um dogma da física ao propor que o tempo não pode ser medido, pois nunca pára.

Dizer que o tempo não pára e que as coisas se movem constantemente parece óbvio, mas não é isso que se faz, por exemplo, ao calcular a velocidade de um carro em um dado instante. Quando dizemos que ele tem a velocidade de 20 metros por segundo no quinto segundo de sua viagem, estamos, de algum modo ‘congelando’ o tempo. Isso porque velocidade é a razão entre o espaço percorrido por um corpo e o tempo para percorrê-lo, o que só se pode medir se houver intervalo, ou seja, se o tempo passar. O problema é que, se isso ocorrer, não há instante.

Essa contradição aparente é resolvida por conceitos matemáticos que os gregos desconheciam — como limite, derivação de funções e cálculo integral. O intervalo entre duas medições de tempo pode ser sempre menor, e essa aproximação ‘aponta’ para um valor cada vez mais próximo do zero — assim como é possível dividir sempre o percurso que falta para o sapo atingir a outra margem. Isso permite determinar um valor instantâneo para a velocidade.

Lynds contesta essa solução. Para ele, o limite não corresponde ao modo como a natureza se comporta. Seu artigo sustenta que não se pode definir instantes precisos no tempo ao se descrever o movimento de um objeto. Assim, não seria possível determinar sequer a posição do objeto em um dado momento, pois ela varia constantemente com o passar do tempo. “Portanto, a velocidade e todas as demais grandezas também não podem ser determinadas em um momento concreto”, defende o neozelandês.

Muitos físicos discordam. “Essas quantidades funcionam muito bem para explicar a natureza conhecida em todos os níveis. Se elas são reais ou não é uma questão muito mais filosófica do que prática”, diz Bruno Mota, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF).

Os críticos alegam que Lynds não propõe uma alternativa testável para os modelos físicos tradicionais, bem como se atrapalha ao contestar a teoria da relatividade e a física quântica . Para eles, isso prova seu profundo desconhecimento: logo, o estudante não deve ser levado a sério.

Polêmicas à parte, se uma revista científica publicou o artigo de Lynds e alguns físicos acharam suas considerações pertinentes, não se pode afirmar que ele desconheça totalmente o assunto. Nesse debate, caberá a ele, o tempo, julgar a contribuição do neozelandês para a ciência. Será que até lá o sapo já conseguiu atravessar o rio?

 

Visite o site de Peter Lynds , onde há links para
o artigo polêmico e outros textos do neozelandês

Rafael Barros
Ciência Hoje On-line
03/10/03