Se pensarmos na economia verde como um prédio sustentável, capaz de abrigar seus moradores de forma mais racional e respeitar a natureza ao seu redor, o relatório publicado recentemente pela organização não governamental Forest Trends funcionaria como um mapa de seus encanamentos e reservatórios de água limpa.
O documento é um inventário de ações globais voltadas à preservação das bacias hidrográficas e dos ambientes onde se encontram. O levantamento apontou um crescimento de 100% na quantidade de projetos na área, e um investimento cerca de 2 bilhões de dólares maior do que o apontado no último mapeamento, em 2008.
As iniciativas catalogadas abrangem desde a proteção de ecossistemas rurais, como pântanos e florestas, até projetos urbanos, em geral relacionados à utilização de águas pluviais poluídas. No total, o estudo identificou 205 programas ativos em 30 países, além de 73 em desenvolvimento. Os maiores investidores na área foram governos e organizações sem fins lucrativos, com uma menor participação do setor privado. O valor total investido nesse tipo de programa superou os 8 bilhões de dólares registrados em 2011.
O relatório vem em boa hora. Cerca de 80% do mundo enfrenta ameaças ao abastecimento de água e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) aponta o risco da ‘falência’ de reservatórios de água em todo o globo e a redução de 50% dos pântanos e áreas alagadas no último século.
“As consequências da poluição e das mudanças climáticas estão evidentes na disponibilidade de recursos hídricos”, acredita Genevieve Bennett, analista do Forest Trends e uma das autoras do relatório. “Além de evitar a escassez, os projetos listados ajudam a preservar a biodiversidade e a controlar outros problemas ecológicos como o efeito estufa, além de gerarem renda para comunidades locais que protejam esses ecossistemas.”
Negócios da China – e da América
De acordo com o inventário, só em 2011 programas desse tipo preservaram 117 milhões de hectares de terra (área semelhante à África do Sul) e permitiram a economia de 138 mil megalitros de água dos reservatórios naturais – com mais de 4,6 milhões de megalitros preservados nos últimos anos.
Os países em desenvolvimento são os que mais se destacam nessa empreitada: “Com menos recursos, eles apostam na proteção das ‘infraestruturas verdes’, os sistemas naturais que realizam funções semelhantes as das caras soluções de engenharia ‘cinza’, como filtrar a poluição e evitar inundações”, afirma a autora.
Com 61 projetos (dois a menos que os Estados Unidos, mas com investimento superior), a China desponta como líder na área. Considerado um dos maiores poluidores do mundo, o país tem a menor proporção de água limpa per capita entre as maiores nações do mundo e as medidas para combater a escassez dos recursos hídricos já custam mais de 2% do seu produto interno bruto anual. “A insegurança em relação aos seus recursos hídricos provavelmente é o maior risco para o contínuo crescimento econômico da China”, afirma Bennett. “O lado pouco contado dessa história, como mostra a pesquisa, é que o governo chinês está em busca de modelos econômicos mais sustentáveis.”
Mesmo longe dos números chineses, a América Latina também merece destaque. Apesar de uma ligeira queda nos investimentos regionais na área em 2011, dados preliminares sugerem uma retomada em 2012, com a criação e expansão de programas. Uma tendência especialmente observada no continente foi a oferta de compensações não financeiras às comunidades locais pela proteção dos ecossistemas.
“Muitas vezes, treinamentos e incentivos agrícolas ajudam a promover a segurança alimentar e modos de subsistência alternativos mais do que dinheiro”, defende Bennett. “O financiamento direto também gera desconforto por parecer uma privatização da natureza. Por isso muitos ficam mais à vontade com compensações em forma de bens, como colmeias e mudas de árvores, que ainda podem ser trocados na comunidade.”
O Brasil e as notícias ruins
Sobre o Brasil, o relatório destaca a importância do ICMS ecológico para a proteção de áreas de conservação ambiental e a inclinação pouco comum das nossas empresas para investir na área. Porém, o exemplo brasileiro também deixa clara uma importante limitação do inventário: a dificuldade na obtenção de dados sobre os projetos. “Apesar do relatório listar quatro iniciativas no Brasil, existem mais de 30 ações em andamento no país, o que faz dele um participante muito ativo nesse campo”, revela Marta Echavarria, especialista em financiamento inovativo para conservação da Forest Trends.
Bennett justifica essa subnotificação: “Identificamos os programas, mas não é possível avaliar a ordem do investimento, pois alguns são muito pequenos e muitas vezes é difícil obter dados que comprovem os pagamentos realizados, sem contar a barreira linguística e a extensão territorial do país”, pondera. “Mas obter resultados mais precisos sobre o Brasil é prioridade, pois a participação do país vem crescendo muito.”
Independentemente das limitações, o relatório traz alguns resultados preocupantes. Desde 2008, muitos programas deixaram de existir, por inadequação a especificidades locais ou dificuldade de financiamento, e a participação do capital privado foi pequena – só foram constatados em 53 projetos, em especial oriundos de fabricantes de cerveja, que dependem de água limpa. “As empresas parecem inseguras em investir ou acreditam que a água diz respeito apenas ao poder público”, sugere Bennett. “Talvez possamos aproximá-las dos mercados ambientais existentes, como o de carbono, para criar ferramentas que ajudem o setor privado a entender os ganhos e riscos dessas atividades.”
Segundo a Florest Trends, mesmo com o crescente investimento na área, estimativas mostram que seria necessário um trilhão de dólares por ano para atender a demanda de água e de saneamento do mundo até 2025. No entanto, direcionar parte dessa verba para soluções verdes pode gerar grande impacto social e quem sabe permitir que se alcance esse patamar. “Agir agora para preservar nossa água é absolutamente necessário, mas precisamos descobrir como pagar os custos”, pondera Bennett. “Os programas apresentados no relatório são promissores porque reconhecem os recursos naturais enquanto ativos valiosos finitos e por buscarem soluções criativas de investimento.”
Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line