O lado verde da crise

Reduzir o lançamento de gases do efeito estufa na atmosfera é um esforço que mobiliza os países há décadas. A mais recente conquista nesse sentido foi o declínio de 1,3% das emissões globais de gás carbônico entre 2008 e 2009. Mas, ao contrário do esperado, esse número não teria sido resultado da política ambiental dos países, e sim da crise financeira mundial.

Essas são as conclusões de um estudo sobre a tendência global do carbono realizado por pesquisadores norte-americanos, australianos e europeus. Os resultados indicam que as variações das emissões de gás carbônico seguem de perto o Produto Interno Bruto (PIB) de cada país. A pesquisa, publicada na página da revista Nature Geoscience na internet, baseou-se em estatísticas que calculam anualmente o estoque de carbono mundial.

Existe uma relação determinante entre o carbono liberado por cada nação e sua economia

Pierre Friedlingstein, pesquisador da Universidade de Exeter, no Reino Unido, e um dos autores do artigo, explica que é difícil ter certeza de que os esforços dos países para reduzir as emissões não contribuíram com a queda observada. Mas garante que, durante o intervalo de um ano, existe uma relação determinante entre o carbono liberado por cada nação e sua economia.

“Pode-se sempre argumentar que a queda das emissões é, em parte, devido a políticas para reduzi-las”, considera Friedlingstein. “No entanto, a variação anual das emissões está muito estreitamente ligada à variação do PIB. As estatísticas mostram que países severamente atingidos pela crise financeira iniciada em 2008 sofreram uma grande queda nas emissões.”

A influência da economia nesse cenário vai além. A qualidade das emissões de um país é representada por um índice conhecido como intensidade de carbono, que equivale à concentração de gás carbônico emitido por cada unidade monetária de seu PIB. Esse índice leva em consideração que, quanto maior a intensidade do combustível fóssil, ou seja, quanto mais poluente ele for, menor é a eficiência do país em termos de carbono.

Segundo Friedlingstein, nas economias emergentes, a intensidade de carbono é aproximadamente o dobro da de países desenvolvidos. “O índice da China é 0,23 kg de carbono emitido por unidade monetária, enquanto o dos Estados Unidos é 0,10”, exemplifica. “Isso acontece porque as economias de países emergentes usam principalmente o carvão como combustível.” Vale destacar que esse mineral é um dos combustíveis fósseis mais poluentes.

Mina de carvão
O carvão é o combustível fóssil mais usado pelas economias emergentes, o que torna a intensidade de carbono desses países duas vezes maior que a de nações desenvolvidas (foto: © Roberto Castillo/ Dreamstime.com).

Cada país, uma emissão

Como a relação entre economia e emissões está ligada ao PIB, fator inerente ao país, é natural que a queda global das emissões esconda algumas diferenças regionais. De acordo com o estudo, o maior declínio aconteceu na Europa, no Japão e na América do Norte, enquanto economias emergentes como China, Índia e Coreia do Sul registraram aumentos significativos nas suas emissões totais.

A diminuição de 1,3% observada nas emissões foi menor que a metade da queda global prevista para outubro de 2009

Justamente por causa dessas diferenças, a diminuição de 1,3% observada nas emissões foi menor que a metade da queda global prevista para outubro de 2009, de 2,8%.

Segundo o artigo, essa discrepância foi resultado de uma participação maior das economias emergentes no total das emissões. Esses países contribuíram, durante o período analisado, com uma intensidade de carbono relativamente alta e uma crescente dependência do carvão.

Nanquim, na China
Vista de Nanquim, grande centro industrial da China. O país está entre as economias emergentes que registraram aumentos significativos nas suas emissões totais de gás carbônico (foto: Godofnanjing/ CC BY NC 3.0).

Já em termos globais, a pesquisa adianta que, como a economia está se recuperando de modo geral, o PIB mundial deve crescer 4,8% em 2010. Com isso, ainda que a intensidade de carbono tenha sido reduzida ao longo deste ano, as emissões globais tendem a acompanhar o embalo econômico, aumentando mais de 3%.

E no Brasil?

Friedlingstein conta que, quando se analisa cada país isoladamente, as variações nas emissões seguem muito bem as mudanças do PIB, o que, segundo ele, vale também para o Brasil. “O crescimento econômico brasileiro caiu de 5%, em 2008, para -0,2%, em 2009”, afirma. “No mesmo período, as emissões por combustíveis fósseis diminuíram 4,4%.”

No caso do Brasil, a eventual redução da atividade econômica não tem tanto impacto nas nossas emissões

Já para Suzana Kahn Ribeiro, presidente do Comitê Científico do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, a correlação entre emissões e PIB é diferente por aqui.

“No nosso caso, a intensidade de carbono por unidade de PIB é baixa, em função da grande participação de renováveis na nossa matriz energética”, explica a pesquisadora. “Por isso, a eventual redução da atividade econômica não tem tanto impacto nas nossas emissões.”

O Brasil, de acordo com dados atualizados do Ministério da Ciência e Tecnologia, reduziu suas emissões de gás carbônico em 19% nos últimos quatro anos, depois de acumular uma alta de 60% entre 1990 e 2005.

Desmatamento
No Brasil, a maior parte das emissões de gás carbônico se deve ao desmatamento. Para especialista brasileira, a eventual queda da atividade econômica nacional não tem grande impacto nas nossas emissões (foto: crustmania/ Flickr.com – CC BY NC 2.0).

Nesse ponto, a pesquisadora destaca o perfil diferenciado do país em relação ao resto do mundo: “Como a maior parte das nossas emissões resulta do desmatamento, o fator primordial da nossa redução se deve à diminuição dessa prática, e não à economia”, conclui.

Carolina Drago
Ciência Hoje On-line