O novo padrão do desmatamento

O estudo permitiu identificar as áreas desmatadas para o cultivo de grãos e para pastagem no Mato Grosso entre 2001 e 2004. Clique na imagem para ampliá-la (foto: PNAS ).

O desmatamento na Amazônia está mudando, ao menos no Mato Grosso. Acreditava-se que a derrubada de árvores era feita sobretudo para dar lugar a pastos para o gado. Um estudo recente mostra, no entanto, que a área desmatada está sendo convertida diretamente em plantações agrícolas para produção em larga escala de soja e outros grãos. 

A pesquisa mostra que, de toda a área desmatada no Mato Grosso entre 2001 e 2004 (33.200 km 2 ), cerca de 16% (5.400 km 2 ) foram devastados para dar lugar ao agronegócio. O estudo, publicado esta semana na edição eletrônica da revista PNAS verificou que a conversão para plantações é mais prejudicial para o ciclo do carbono do que a substituição da floresta pelas pastagens.

O grupo de Douglas Morton, pesquisador da Universidade de Maryland (EUA), que inclui pesquisadores brasileiros do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), avaliou padrões para o uso da terra proveniente da destruição de florestas no Mato Grosso entre 2001 e 2004. Os pesquisadores fizeram observações em campo e utilizaram dados de sensoriamento remoto provenientes do Inpe e imagens de satélites para identificar as áreas desmatadas. Eles puderam ainda distinguir as áreas derrubadas para dar origem a lavouras daquelas usadas para a criação de gado.

A equipe de Morton mostrou que ocorreu uma mudança significativa do padrão de desmatamento entre 2002 e 2003. Enquanto a fração desflorestada convertida em pastagens diminui 12%, a parte transformada em plantações aumentou 10%. Além disso, a transição de áreas desmatadas para agricultura foi mais rápida: em mais de 90% dos casos as terras foram ocupadas por plantações de soja e outros produtos agrícolas menos de um ano depois da destruição da floresta; no caso da criação de gado, esse índice ficou entre 72% e 86%.

“A conversão para pastagem não remove toda a biomassa acima do solo (troncos e raízes de árvores) logo após o desmatamento: grande parte dela permanece na área desmatada e o carbono é emitido ao longo dos anos, à medida que as áreas vão sendo queimadas. Já a conversão de floresta para plantações remove toda a biomassa e todo o carbono existente é emitido dentro de um ano”, explica o geólogo Carlos Souza, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), em entrevista à CH On-line . Souza é o autor de um comentário sobre o estudo da equipe de Morton, a ser publicado também na PNAS

Conversão comum

O Mato Grosso é um importante pólo de produção agrícola em larga escala. Cerca de 30% da soja produzida no Brasil em 2004 foi plantada nesse estado, segundo dados do Ministério da Agricultura. Os autores do estudo apontaram uma relação direta entre a taxa de desmatamento no Mato Grosso e as flutuações de mercado da soja e de outros produtos agrícolas para exportação, que respondem por cerca de um terço do PIB brasileiro. Eles mostraram as derrubadas nas fronteiras do “arco de desmatamento” diminuíram em 2005, quando o preço da soja caiu 25%.

O estudo esclareceu que a conversão direta de florestas derrubadas para plantações é comum, ao contrário do que se pensava anteriormente e ao contrário do que alegavam os produtores agrícolas, refutando o vínculo direto apontado entre o plantio de soja e o desmatamento. Os autores do estudo ressaltam que conhecer o destino das terras desmatadas é muito importante para formular estratégias de conservação mais eficientes. “Saber como a terra é utilizada depois do desflorestamento nos dá condições de construir modelos de previsão dos impactos do desflorestamento”, diz Souza. “Além disso, será mais fácil monitorar a utilização da terra a partir do método que eles criaram.”

A partir disso o mercado consumidor poderá pressionar as empresas a desmatar menos se tiver conhecimento de que a soja está sendo produzida em áreas desmatadas. Souza cita o exemplo da campanha que a organização ambiental Greenpeace fez em abril deste ano, alegando que a soja plantada nas regiões desmatadas do Brasil era usada para alimentar os bois e frangos cuja carne é usada nos sanduíches das grandes redes de fast-food norte-americanas. Com os novos dados, será possível rever para onde a soja vai com mais segurança. Isso não acontece apenas com esses grãos, mas também com a carne de boi e com a madeira de lei produzidas na região amazônica.

Franciane Lovati
Ciência Hoje On-line
05/09/2006