O organismo mais resistente à radiação no mundo

Suportar cerca de mil vezes mais radiação do que qualquer habitante da Terra e três mil vezes mais do que um ser humano. Quem acha que apenas um herói dos quadrinhos é capaz desse feito não conhece a superbactéria Deinococcus radiodurans . Considerada o organismo mais resistente à radiação em todo o mundo, ela suporta até 1,5 milhões de rads (sigla em inglês para ’dose absorvida de radiação’).

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O genoma estruturado em forma de anel (realçado em azul)
da bactéria Deinococcus radiodurans seria a resposta para
sua resistência à radiação (imagem: S. Levin-Zaidman)

Mas o que torna possível tamanha resistência? A equipe de Abraham Minsky, do Departamento de Química Orgânica do Instituto Weizmann (Rehovo/Israel), descobriu que é a forma de anel como se estrutura a cadeia de DNA da bactéria. Quando atinge o microrganismo, a radiação fragmenta o seu genoma em pequenos pedaços. É o formato circular que mantém juntos esses pedaços e permite que sejam reparados.

Publicado em 10 de janeiro na revista Science , o estudo mostra que o DNA da D. radiodurans é ’empacotado’ de forma concisa dentro de uma espécie de anel — característica que já rendeu à bactéria o apelido bem-humorado de ’Senhor dos Anéis’, dado pelos editores da revista. Uma vez que o material genético é a primeira parte da célula a ser danificada pela radiação e o maior dano possível é a quebra dos filamentos de DNA, os pesquisadores estudaram os mecanismos de reparo adotados pela bactéria.

Os resultados são impressionantes: enquanto outros micróbios conseguem ’remendar’ apenas de três a cinco quebras no DNA, a D. radiodurans consegue reparar mais de duzentos. A princípio, acreditava-se que a bactéria possuía enzimas especiais de reparo, mas experimentos mostraram que essas enzimas são similares às encontradas em outras bactérias e assim o mistério em torno da resistência do microrganismo permaneceu. Hoje, Minsky é enfático: “A estrutura em forma de anel permite a ação de um modo simples e bem sucedido de reparo, já que a linearidade ao longo da molécula de DNA é mantida mesmo após muitas quebras”, disse por e-mail à CH on-line .

Além da radiação, a D. radiodurans resiste à desidratação e baixas temperaturas — o bastante para atrair a atenção de cientistas de todo o mundo. Um grupo russo já suspeitou até que a bactéria viesse de Marte, onde os níveis de radiação são bem altos. Ela foi descoberta há várias décadas dentro de alimentos enlatados e esterilizados com radiação. Sua região de origem, porém, é desconhecida.

Minsky descobriu ainda que o mecanismo de reparo do DNA da bactéria envolve, na verdade, duas fases — a primeira dura noventa minutos e envolve a reparação dentro do anel de 30 a 40% do dano causado pela radiação. Uma característica peculiar de D. radiodurans, a existência de quatro compartimentos intercomunicantes, cada qual com uma cópia do material genético, parece ser de bastante importância para essa capacidade extraordinária de reparar DNA.

Isso porque apenas em um ou no máximo dois compartimentos os cromossomos estão dispersos, o que permite a produção de proteínas mas torna o material genético mais susceptível a danos. Em contrapartida, nos outros compartimentos os cromossomos estão estruturados em anel supercompactado, o que os torna resistentes à radiação e permite que eles sejam usados como modelo para o conserto das cópias mais danificadas. Entender esses mecanismos é, para Minsky, fundamental nestes tempos em que a ameaça de guerra biológica com bactérias volta à tona.

Isabel Levy 
Ciência Hoje On-line
01/02/05