O poder da imaginação

 

Você acredita que o simples fato de alguém mentalizar que está andando de bicicleta pode ajudá-lo a melhorar seu desempenho? Pois é isso que sugerem experimentos realizados no Laboratório de Neurociências e Comportamento do Instituto de Biociências (IB) da Universidade de São Paulo (USP). Coordenado pelo biólogo André Frazão Helene e orientado pelo professor Gilberto Xavier, o estudo mostrou que um treinamento imaginativo pode de fato aprimorar uma habilidade.

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O pensador, escultura do francês Auguste Rodin (1840-1917)

Helene explica que as áreas cerebrais ativadas durante o exercício de imaginação de uma tarefa e sua execução efetiva são muito próximas. “O tempo de imaginação de um ato motor é igual ao tempo de sua execução real”, afirma. “Ocorre, por exemplo, uma elevação proporcional da taxa de batimentos cardíacos, de ventilação e de consumo de oxigênio quando pessoas se imaginam andando a 5, 8 ou 12 km/h.”

A equipe avaliou a possibilidade de se adquirir novas memórias[1] por meio do treinamento restrito à imaginação. Um primeiro experimento, de natureza cognitiva, envolveu um grupo de voluntários que tinha que ler palavras invertidas e escrevê-las corretamente com o dedo no ar. Outro grupo lia palavras grafadas de forma correta e as imaginava escritas ao contrário. Após três dias de treino de 100 palavras por dia para cada um, foi verificado que o desempenho dos grupos era equivalente. “Ambos tiveram a aquisição efetiva da habilidade”, afirma Helene.

Um segundo experimento avaliou o aprendizado motor pela imaginação. Os 24 participantes, todos destros, foram divididos em três grupos. O primeiro era de treino real: eles se sentavam de frente para um monitor em que apareciam em seqüência números de um a quatro. A cada número correspondia um dos dedos da mão direita; a tarefa consistia em tocar com o polegar os dedos equivalentes ao número mostrado na tela. O segundo era de treino imaginativo: a diferença é que ao invés de realmente tocarem o polegar, os participantes deviam somente imaginar a ação e apertar um único botão numa mesa para indicar que a atividade fora imaginada. O último grupo era o de controle, sem treinamento prévio da tarefa.

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O computador apresentava os estímulos e registrava o movimento e sua duração por sinais enviados de sensores fixados nas pontas dos dedos dos participantes

Após 40 minutos de treino o grupo com ’prática imaginativa’ realizou cada movimento em 0,75 segundo, desempenho próximo ao do grupo de ’treino real’, 0,70 s. Já o grupo de controle, sem treinamento, executou a tarefa em 1,05 s. O treino imaginativo reproduziu também outras características do ’treino real’. “Cada dedo tem um tempo diferente para tocar o polegar,” aponta Helene. “O dedo mínimo é o mais rápido, enquanto o indicador é o mais lento, no treino imaginativo e no prático.”

Segundo ele, o treino imaginativo poderia ser usado por pacientes em recuperação para auxiliar a reabilitação de certas habilidades, como andar. “Caminhar envolve cálculos mentais precisos e inconscientes que ativam sub-rotinas como se inclinar, equilibrar-se e frear”, explica. O treino imaginativo pode ajudar a aperfeiçoá-las antes que o paciente seja capaz de executá-las. Mas o biólogo adverte que o treino é mais eficiente para atividades que dependem de esforço mental. “O desafio não é aumentar a força, mas aperfeiçoar a precisão dos cálculos mentais da ação em questão.”

Renata Moehlecke
Ciência Hoje On-line
17/06/04