O uso clínico das células-tronco não parece mais uma promessa distante: o início de um estudo para avaliar a segurança do uso de células tronco adultas de medula óssea na fase aguda do acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico é promessa de um novo tratamento para a lesão. A primeira paciente a receber o implante dessas células não apresentou complicações, recuperou as habilidades motoras perdidas e compreende bem a linguagem após o tratamento. O procedimento – pioneiro no mundo – foi realizado por uma equipe do Hospital Pró-cardíaco (HPC) em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O mesmo grupo já havia se destacado anteriormente por resultados animadores no uso de células-tronco para o tratamento de doenças cardiovasculares. Estudos de outras equipes que buscam testar o uso dessas células contra doenças como a esclerose múltipla ou o mal de Parkinson ajudam a consolidar a posição de destaque do Brasil nesse campo de pesquisa promissor.
Em setembro a equipe do HPC e da UFRJ, em parceria com a ONG americana Texas Heart Institute, havia anunciado o sucesso do implante de células-tronco para a regeneração de áreas danificadas do coração e a criação de novos vasos sangüíneos. “Com relação às doenças cardíacas, creio que estamos mais próximos de seu uso clínico do que no caso do AVC”, avalia Maria Lúcia Furtado de Mendonça, da equipe de neurofisiologia do HPC.
Em novembro, os cientistas divulgaram um novo êxito: a recuperação de Maria da Pomuceno, submetida em 24 de agosto ao implante de células-tronco de sua medula óssea, cinco dias após ter sofrido um AVC agudo. A paciente – que tinha o lado direito do corpo paralisado, não falava, não compreendia e apresentava sonolência – voltou a andar, compreender linguagem e balbuciar algumas palavras em 17 dias. Dois meses depois do implante, Maria já recuperou força muscular, reconhece palavras e fala cada vez melhor.
O implante faz parte da primeira fase do estudo, destinada a testar a segurança do procedimento. Resta ainda comprovar sua eficácia para que o implante de células-tronco possa ser usado clinicamente de forma sistemática. Maria Lúcia prevê que, num prazo de sete anos, já será possível tratar outras vítimas de AVC agudo com o método.
O tratamento exige exames prévios não invasivos, como ressonância magnética, tomografia com emissão de pósitrons e eletrencefalograma, para ter a dimensão da lesão e da área recuperável, chamada de ’penumbra isquêmica’. Nessa área há células programadas para morrer que, no entanto, ainda podem ser salvas.
As células-tronco são retiradas da medula óssea do próprio paciente. Depois de devidamente preparadas, são injetadas – no mesmo dia – na artéria responsável pelo AVC por meio de cateterismo por punção na região da virilha. O procedimento é totalmente monitorado e o paciente repete os exames prévios durante o período de recuperação para efeito de comparação com os resultados anteriores.
Ainda não se sabe o tempo médio de recuperação após o implante de células-tronco, mas o caso de Maria da Pomuceno deixa uma mensagem de otimismo. O método pode significar também maiores chances de o paciente se recuperar de um AVC agudo. “Acreditamos que o transplante tenha que ser feito rapidamente” pondera Maria Lúcia, “mas o paciente poderia contar com maior tempo entre o AVC e o tratamento, em comparação com as demais formas de tratar o AVC.”
Aline Gatto Boueri
Ciência Hoje On-line
30/11/04