Que o homem tem usado de modo irresponsável os recursos do planeta não é nenhuma novidade. Mas qual será o estrago que já fizemos? Ainda há tempo para consertá-lo? Estas são algumas das perguntas discutidas no livro Terras da Terra . Nele, o biólogo Stuart Pimm, professor da Universidade Duke (EUA), faz um balanço da relação que mantemos com nosso planeta e revela um preocupante quadro de destruição ambiental. De modo bastante acessível, o livro recorre a pesquisas realizadas por cientistas em diversas partes do mundo – além de apresentar resultados obtidos pelo próprio autor – para demonstrar o mau uso que fazemos de recursos vegetais e hídricos e a forma como estamos extinguindo rapidamente a fauna do mundo.
Embora trate de assuntos bastante sérios, Pimm não deixa de lado o bom humor ao explicar a destruição de diversos ambientes naturais, o que torna a leitura agradável. Seus exemplos e analogias em geral eficientes facilitam a compreensão do texto. O autor lança mão, ainda, de passagens pessoais ocorridas nas expedições de que participou ao lado de outros cientistas e de retrospectivas históricas da devastação de certas regiões para dar dinamismo às estatísticas que apresenta em abundância.
Terras da Terra identifica as maiores causas do desflorestamento e do consumo da cobertura vegetal do planeta, dadas as realidades sócio-econômicas de cada região. Mostra, também, por que a água é considerada um recurso tão valioso atualmente e como o homem a consome inadvertidamente, destruindo os estoques que ainda lhe restam. Por fim, observa como as mudanças causadas pela humanidade já se refletem na taxa de extinção de espécies atual, cerca de 100 vezes maior do que a esperada na natureza.
O livro funciona como um inventário dos problemas ambientais do planeta hoje e como um alerta: se nada for feito, podemos chegar a um ponto sem volta. Perspectiva que pode estar mais próxima do que você imagina, uma vez que, nas próximas décadas, a população do planeta pode duplicar e agravar consideravelmente a busca por necessidades básicas como comida e energia.
Em entrevista à CH On-line , Stuart Pimm discute os objetivos do livro, analisa a situação da cobertura vegetal brasileira, em especial na Amazônia, e avalia as chances de recuperação dos ambientes naturais num futuro próximo.
Stuart Pimm, pesquisador da Universidade Duke (EUA)
CH On-line – Quanto tempo demorou a elaboração desse livro e quantos países o senhor visitou em suas pesquisas?
Staurt Pimm – O livro demorou sete anos para ser escrito. Visitei cerca de 70 países desde 1968, quando, ainda estudante, comecei a viajar em pesquisas. No Brasil, passei a maior parte do tempo no Rio de Janeiro e em Manaus, mas também tenho um projeto com alunos brasileiros em Roraima. Nas cerca de doze vezes que visitei o país passei também pelo Pantanal, por Brasília e por alguns outros lugares.
Qual era seu objetivo ao escrever Terras da Terra ?
Queria entender o que estamos fazendo com nosso planeta como um todo, não pontualmente. É fácil dizer o que acontece num país. Mas e quando nos referimos a um contexto mais amplo? Eu buscava números que o mundo todo pudesse entender, porque esse é um problema que devemos resolver juntos.
Uma das regiões mais abordadas no livro é a Amazônia. Uma das causas de devastação da floresta é o dito ‘progresso’, com suas obras de infra-estrutura e integração nacional. Como o senhor vê esses projetos de “colonização” da floresta?
Primeiro, é preciso lembrar que muitas das terras da Amazônia são habitadas por tribos indígenas que devem ser respeitadas. Há importantes questões de direitos humanos relacionadas ao desenvolvimento dessas áreas. Dito isto, acredito que, em algumas questões importantes, desenvolver a Amazônia pode fazer do Brasil um país mais pobre. Construir estradas e outros projetos de infra-estrutura, como previa o projeto Avança Brasil [ ver quadro abaixo ], custa uma imensa quantidade de recursos. Mas será que vale a pena? Muita da destruição na Amazônia acontece com subsídios do governo – ou seja, com dinheiro dos impostos da população. Isso pode ser interessante para alguns, mas será que promove o desenvolvimento do país? Por exemplo, quando o governador do Mato Grosso [Blairo Maggi] prega a destruição da vegetação nativa em nome do progresso, para abrir estradas e escoar a produção de soja, qual será a origem do dinheiro usado para isso?
Criado em 1999, o programa Avança Brasil previa, entre seus mais de 300 projetos, o investimento de bilhões de reais para o desenvolvimento e integração da região amazônica. O destaque eram obras de infra-estrutura e de corredores de transporte que ligassem o interior do Brasil ao litoral. Muito criticado por não levar em conta o impacto ambiental das ações previstas, o programa teve muitos de seus projetos embargados
A agricultura representa uma ameaça para a Amazônia?
O que acontece é que muitos solos na Amazônia são extremamente pobres. Ninguém vai conseguir lucros plantando nessas áreas. Muita gente defende a idéia de que desenvolver a Amazônia vai fazer do Brasil um país rico. No entanto, nenhum fazendeiro ou criador de gado ao longo da estrada entre Manaus e Boa Vista jamais me disse nada parecido.
A Amazônia desperta grande interesse no resto do mundo. Você acredita que o Brasil poderia se beneficiar disso?
Muitas nações têm interesse não só na Amazônia, mas em outras áreas florestais brasileiras, como a Mata Atlântica. São lugares inspiradores, maravilhosos. O Brasil faz muito pouco por seu turismo – especialmente o ecoturismo. Acredito que essa poderia ser uma fonte de renda importante para as populações locais e que o Brasil poderia fazer muito mais para atrair turistas. Além disso, como floresta, a Amazônia também tem um valor inestimável. Mas o Brasil é um dos principais emissores de gases de efeito estufa graças às queimadas na região. Outros países deveriam pagar para que o Brasil não destruísse essas florestas. Seria muito melhor deixar crescer árvores em vez de gado, mas isso claramente necessita de recursos.
Outra questão bastante preocupante discutida no livro é a da distribuição da água. O senhor acredita que as disputas por esse recurso já superem as disputas por qualquer outro recurso natural, como o petróleo?
Globalmente, posso dizer que sim. São muitos os exemplos, como as cada vez mais perigosas disputas entre Israel e seus vizinhos. A China investe em gigantescos projetos que afetam a vida de milhões de pessoas [ a construção da barragem de Três Gargantas no rio Yang-Tse, por exemplo, já desalojou mais de um milhão de chineses ]. O Brasil, por sua vez, possui muita água, mas a maioria se localiza na Amazônia e não serve para amenizar a seca no Nordeste, por exemplo.
Depois de tantos anos de estudo, o senhor acredita que nosso planeta ainda pode ser salvo? Como o governo e outras entidades, como organizações não-governamentais (ONGs), devem atuar se quisermos salvá-lo?
O planeta ainda pode, sim, ser recuperado. No caso brasileiro, acredito que o governo tem a tarefa complicada de desenvolver a economia e melhorar as condições de vida de população urgentemente. Espero que, para isso, ele não sacrifique o que sobrou das coberturas vegetais. As ONGs, por sua vez, podem elaborar alternativas locais ao desflorestamento, vigiar e garantir que os locais mais especiais do país não sejam destruídos e propor cenários alternativos de desenvolvimento.
Quanto tempo o planeta ainda pode esperar nossa ajuda?
Não muito tempo. Se tudo continuar como está, em 50 anos a Amazônia e a maioria das coberturas vegetais do planeta vão ter perdido entre um terço e metade de todas as suas espécies. O mundo de nossos netos será muito mais pobre do que o de hoje. O tempo é curto e os brasileiros tomarão decisões que afetarão o futuro de todos nós.
Terras da Terra – o que sabemos
sobre nosso planeta
Stuart Pimm
Londrina, 2005, Editora Planta
Fone: (43) 3357-1108
308 páginas – R$ 42
Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line
30/09/05