O sentido da vida

 

A teoria da evolução das espécies por seleção natural completou 150 anos em 2008, mas ainda é objeto de contestação, especialmente por grupos religiosos criacionistas que atribuem o surgimento da vida na Terra aos desígnios de um criador sobrenatural. Mas um estudo feito por psicólogas norte-americanas indica que a religião pode não ser a única causa para as pessoas ainda aceitarem essa concepção.

As girafas têm pescoço comprido para alcançar as folhas mais altas das árvores? Essa interpretação lamarckista da evolução dessa espécie foi descartada há muito tempo, mas ainda encontra adeptos. Este é um exemplo típico de explicação teleológica na qual as pessoas têm inclinação a acreditar (foto: Ned Benjamin).

A pesquisa concluiu que as pessoas tendem a concordar com explicações que apontam uma finalidade por trás de determinados eventos e têm dificuldade em enxergá-los como aleatórios. O estudo foi conduzido por Deborah Kelemen e Evelyn Rosset, do Departamento de Psicologia da Universidade de Boston (EUA), e publicado na revista Cognition.

Durante a pesquisa, jovens universitários tiveram que julgar várias frases sobre a ocorrência de eventos naturais. Os resultados mostraram que, seja qual fosse sua orientação religiosa, os estudantes frequentemente concordavam com explicações que enxergavam desígnio e finalidade por trás dos eventos – ou explicações teleológicas, como são chamadas na filosofia.

Explicações desse tipo são precisamente o que caracteriza a visão criacionista da origem da vida. A contingência, no entanto, é um aspecto essencial da teoria evolutiva: os seres vivos sofrem mutações genéticas aleatórias, e aquelas que os tornam mais aptos para a sobrevivência em seu meio são conservadas nas gerações seguintes.

Para que o Sol brilha?
Na primeira fase do estudo, 121 estudantes tiveram que classificar como corretas ou erradas 80 frases como “o Sol brilha para que as plantas possam fazer fotossíntese”, “as moléculas se unem para formar a matéria” ou “a Terra tem uma camada de ozônio para se proteger dos raios ultravioleta”. Os universitários foram divididos três grupos: os que tinham no máximo 3 segundos para julgar as sentenças; os que deveriam julgá-las em até 5 segundos; e os que não tinham limite de tempo para realizar a tarefa.

Para garantir que eles estavam prestando atenção no momento dos testes, as autoras incluíram entre as afirmativas frases menos ambíguas, como “flores murcham porque ficam desidratadas” ou “pessoas compram aspiradores para que aspirem a sujeira”. Os estudantes também tiveram que responder questionários a respeito de suas convicções religiosas.

Essa primeira rodada de testes concluiu que, embora os adultos tendam a endossar explicações teleológicas incorretas, eles cometem mais erros quando pressionados pelo tempo. “Quanto menos tempo as pessoas tinham para responder, mais erros elas cometiam”, explica Deborah Kelemen à CH On-line. “No entanto, as sentenças de um tipo específico – aquelas que dizem que certas entidades naturais existem para servir a outras – foram avaliadas erroneamente, mesmo quando não havia limite de tempo para a resposta”.

Na fase seguinte, outros 109 estudantes tiveram que avaliar mais afirmativas, da área da biologia e geofísica. A pesquisa mostrou que as pessoas continuaram a concordar com sentenças teleológicas falsas, principalmente aquelas que afirmavam que a Terra se adaptara para manter a vida. Nessa fase, os estudantes agnósticos cometeram a mesma quantidade de erros que os universitários religiosos.

Disposições naturais
“Mesmo quando não são explicitamente religiosas, as pessoas carregam disposições naturais na mente que as inclinam a opiniões de que as entidades naturais foram projetadas com alguma finalidade”, conclui Kelemen.

Em estudos anteriores, a psicóloga já havia documentado o mesmo tipo de pensamento teleológico em crianças com idade entre 7 e 8 anos. Elas concordaram com frases como “as rochas foram esculpidas para que os animais possam se coçar” ou “os pássaros existem para fazer música”.

Segundo a psicóloga, esse tipo de equívoco tende a diminuir à medida que as crianças começam a ter mais aulas de ciências e aprendem mais sobre os fenômenos naturais. “Com um conhecimento maior de ciência adquirido na escola, as crianças reconhecem mais como responder de maneira cientificamente ‘correta’ às perguntas”, avalia.

De acordo com a pesquisadora, esse novo estudo mostra que as suposições teleológicas não são uma característica exclusiva da infância, e sim um aspecto natural da mente humana em toda a sua vida. Mas ela alerta que os resultados podem mostrar uma falha significativa na educação científica desses adultos. “Os testes sugerem que toda a aprendizagem das explicações físico-causais dos fenômenos naturais possa ser muito superficial”.

Igor Waltz
Ciência Hoje On-line
30/03/2009