O Observatório Espacial Herschel, maior telescópio espacial do mundo, lançado em maio deste ano pela Agência Espacial Europeia (ESA), acaba de apresentar à comunidade científica o seu cartão de visitas: o retrato mais nítido já feito da galáxia do Rodamoinho, muito famosa entre os astrônomos. O instrumento permitirá a observação de regiões distantes e inexploradas do universo com grande nitidez.
O telescópio foi batizado em homenagem a Frederick William Herschel (1738-1822), músico alemão que mais tarde se tornou astrônomo e descobriu o planeta Urano e a radiação infravermelha (percebida por nós como calor). O instrumento é o primeiro capaz de detectar a emissão de um tipo específico dessa radiação – o infravermelho distante –, única faixa do espectro luminoso ainda não observada no universo e inacessível a partir da Terra, porque é absorvida pela umidade da atmosfera.
“Herschel é um telescópio espacial muito versátil”, diz Michael Rowan-Robinson, astrofísico do Imperial College London (Inglaterra) e autor de um artigo sobre o telescópio publicado na Science desta semana. “Ele irá estudar a física e a química molecular de quase todos os tipos de objetos celestiais frios, de nossa própria vizinhança até os limites do universo.”
Todo esse potencial é confirmado pelo tamanho do telescópio: seu espelho principal tem 3,5 m de diâmetro, o que permite captar, com uma nitidez maior, imagens de objetos que emitem radiação mais fraca. “Com seu tamanho muito maior, Herschel apresenta um salto gigante para o futuro na tecnologia infravermelha”, avalia Rowan-Robinson.
Até então, o maior aparato lançado ao espaço para observação do infravermelho era o Telescópio Espacial Spitzer, cujo espelho tem 85 cm de diâmetro. O Telescópio Espacial Hubble, que tem espelho de 2,4 m de diâmetro, foi projetado para observar outras faixas do espectro de ondas eletromagnéticas e recebeu posteriormente um detector de infravermelho, mas de baixa resolução. Já o observatório terrestre SOAR (sigla em inglês para Telescópio de Pesquisa Astrofísica do Sul), um dos mais modernos do mundo e instalado no Chile, tem espelho principal de 4,1 m de diâmetro, mas capta uma faixa de infravermelho pouco absorvida pela atmosfera da Terra e diferente da registrada pelo Herschel.
O astrofísico João Steiner, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP) e um dos idealizadores do SOAR, explica que dobrar o diâmetro do espelho de um telescópio significa quadruplicar sua resolução e torná-lo capaz de enxergar objetos quatro vezes mais fracos. “Em relação ao Spitzer, o Herschel teve um aumento bem maior que o dobro”, compara. E completa: “Ele vai acrescentar mais uma peça ao quebra-cabeça da astrofísica: o estudo do universo e seus objetos na faixa do infravermelho distante.”
Além das nuvens de poeira
As características únicas do Herschel permitirão atravessar a barreira de nuvens de poeira que frequentemente esconde estrelas e galáxias em formação e, assim, observar os anéis compostos por fragmentos que se acumulam ao redor dessas estrelas, onde se acredita que o surgimento dos planetas se complete. Essas nuvens absorvem a luz visível emitida por esses corpos celestes e a irradiam novamente como luz infravermelha distante.
Além de permitir a observação dos processos de criação e evolução de estrelas, galáxias e planetas, o Herschel poderá revelar novos objetos celestes que emitem luz infravermelha e que até então estavam invisíveis no espaço. “As estrelas mais jovens de nossa galáxia serão reveladas, assim como os grandes reservatórios de gás e poeira que constituem metade da matéria normal”, prevê Rowan-Robinson.
Lançamento dos telescópios Herschel e Planck, a bordo do foguete Ariane 5, no dia 14 de maio de 2009 na Guiana Francesa (foto: S. Corvaja / ESA).
O Herschel também poderá ser usado no estudo dos cometas do Sistema Solar, que na verdade são sobras da formação dos planetas há 4 bilhões de anos. “Eles são os melhores fósseis do Sistema Solar primitivo e podem dizer quais ingredientes naturais formaram os planetas, inclusive a Terra”, diz o pesquisador inglês.
O primeiro resultado do telescópio é a imagem da emissão de calor da galáxia do Rodamoinho (M51), um aglomerado de bilhões de estrelas em formato espiral descoberto em 1773 e localizado na direção da constelação dos Cães de caça. “Esse é um primeiro clique rápido e os dados ainda não estão calibrados e otimizados”, afirma Rowan-Robinson à CH On-line. “Isso mostra que o telescópio está funcionando exatamente como esperado.”
Segundo João Steiner, a forma da galáxia mostrada pelo Herschel não é muito diferente da revelada anteriormente pelo Hubble. “Essa é uma fotografia de boas-vindas”, pondera. “Certamente as informações científicas do infravermelho captado pelo Herschel ampliarão o conhecimento sobre essa galáxia.”
O Herschel foi lançado ao espaço junto com outro observatório espacial, o Planck, que irá mapear a chamada radiação cósmica de fundo, emitida após a explosão que deu origem ao universo – o Big Bang. Participam da iniciativa, além dos 18 estados membros da Agência Espacial Europeia, os Estados Unidos, o Canadá e a China.
Atualmente, o Herschel está viajando em direção a um ponto no espaço entre a Terra e o Sol, a cerca de 1,5 milhão de km do nosso planeta. De lá, ele irá operar durante três anos e depois os pesquisadores irão avaliar suas condições de continuar em funcionamento.
Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line
31/07/2009