O violento cotidiano de mulheres encarceradas

“Muitas mulheres não suportavam o peso das emoções e se entregavam a um choro silencioso. Nessas ocasiões, a equipe interrompia o trabalho e aguardava, pacientemente, que a situação voltasse a normalidade.”
Bárbara Musumeci Soares e Iara Ilgenfritz

null Muito se discute a situação dos presos no Brasil, mas poucos voltam seu olhar à parcela feminina dessa população. Chamar a atenção para essa miopia do poder público e da sociedade é o que pretendeu um estudo coordenado pela socióloga e antropóloga Bárbara Musumeci Soares e pela advogada Iara Ilgenfritz.

Entre novembro de 1999 e março de 2000 elas estiveram em todas as instituições que abrigam presas no estado do Rio de Janeiro e elaboraram um perfil dessas mulheres, com base em um questionário e entrevistas realizadas com 524 detentas. No ano 2000, havia no estado pouco mais de seiscentas presas. Com o estudo, pretendem “chamar a atenção para as especificidades da população prisional feminina e sugerir uma nova política penitenciária para as mulheres presas no estado”.

Além dos dados recolhidos, Bárbara e Iara vivenciaram situações diferentes para o cidadão comum. As peregrinações no Presídio Nelson Hungria, no Instituto Romeiro Neto, na Penitenciária Tavalera Bruce, no Manicômio Heitor Carrilho e no Hospital Psiquiátrico Roberto Medeiros renderam tanto um conhecimento das instalações e do funcionamento dessas instituições, como muitas histórias dolorosas para contar.

“A trajetória das presas praticamente se confunde com histórias de violência”, afirmam as autoras. Elas explicam que a relação entre vitimização e entrada no Sistema de Justiça Criminal, freqüente entre os detentos, é especialmente forte entre as mulheres. “Mais de 95% sofreram violência em pelo menos um destas três ocasiões: na infância/adolescência, no casamento ou nas mãos da polícia; 75% foram vitimadas em pelo menos duas dessas ocasiões; e 35% em todas as três ocasiões.”

As detentas queixam-se de maus tratos, choques elétricos e ameaças de morte por policiais; de pais alcoólatras; abusos sexuais sofridos na infância; maridos violentos e agressores. Muitas têm pais, maridos e irmãos assassinados.

Mas o estudo construiu um painel muito mais amplo: foi feito um detalhado perfil sociocultural, com registros da idade, cor, origem, estado civil, escolaridade e religião das presas. Também registrou-se o número de mulheres que realizam trabalho prisional, o motivo da condenação e até o que pretendem fazer após sair da cadeia.

Iniciada em 1999, a primeira parte do estudo foi realizada quando as duas faziam parte da Subsecretaria de Pesquisa e Cidadania da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro. Tratava-se de uma ação pioneira do poder público estadual: elaborar parte do Programa de Segurança da Mulher. Mudanças de rumo no governo levaram à extinção da subsecretaria, e o estudo foi concluído no Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes.

As estatísticas recolhidas e algumas das dolorosas histórias ouvidas durante o estudo foram reunidas por Bárbara e Iara no livro Prisioneiras: vida e violência atrás das grades . Sua linguagem direta para apresentar o estudo mescla-se às vezes com pitadas de estilo narrativo sobre algo que nada tem de ficcional.

Prisioneiras – vida e violência atrás das grades 
Bárbara Musumeci Soares e Iara Ilgenfritz
Rio de Janeiro, 2002, Editora Garamond
150 páginas – R$ 23,70

Denis Weisz Kuck
Ciência Hoje On-line
16/01/03