Os frutos da pesquisa científica são cruciais para o desenvolvimento de novos medicamentos, mas às vezes eles trazem mais perguntas do que respostas, como no caso dos receptores acoplados à proteína G (GPCR, na sigla em inglês). Cerca de metade das drogas no mercado usa os GPCR como alvo e esperava-se que, com a elucidação de sua estrutura, surgisse uma enxurrada de novos medicamentos.
Mas não foi o caso, como mostrou o médico norte-americano Brian K. Kobilka em palestra nesta segunda-feira (01/07), no 63º Encontro de Prêmios Nobel em Lindau, na Alemanha. Kobilka foi agraciado, junto com Robert Lefkowitz, com o Nobel de Química em 2012 por elucidar tanto a estrutura quanto o funcionamento dos GPCR nos anos 1980.
Segundo Kobilka, dos cinco mil a 10 mil compostos estudados para a criação de uma nova droga, apenas um efetivamente ganha aprovação da agência que regula alimentos e remédios nos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês). Esse processo leva de 10 a 15 anos e custa, em média, 800 milhões de dólares.
As companhias farmacêuticas preferem, então, investir em variações de medicamentos já existentes, mais baratas de produzir. Essa estratégia responderia, de acordo com o prêmio Nobel, pela queda, nos últimos anos, do orçamento gasto com pesquisa de novos medicamentos.
Alta complexidade
Kobilka explicou que a dificuldade de se desenvolver novas drogas com os receptores GPCR servindo de alvo está no fato de essas proteínas serem extremamente complexas. “Bem mais do que pensávamos”, reforçou. Entre os problemas que os pesquisadores enfrentam, ele citou a similaridade estrutural entre receptores, as múltiplas vias de sinalização e a compartimentalização dessas vias nas células.
Proteínas de uma mesma família GPCR são similares, como os receptores adrenérgicos beta (βAR, na sigla em inglês), aos quais se liga a adrenalina. Assim, há o risco de que a substância estudada (chamada ligante ou agonista) não seja específica para o receptor desejado. “Isso é problemático, porque diferentes ligantes no mesmo receptor podem ativar vias de sinalização distintas; uma pode ser benéfica, outra não”, alertou o laureado.
Como se não bastasse, as células tendem a compartimentalizar as vias de sinalização, agrupando, em diferentes regiões, os receptores e as proteínas envolvidos nesse processo. “Quando realizamos testes em laboratório, as células que usamos não são tão diferenciadas e, por isso, não possuem esses ‘compartimentos’, o que é outra dificuldade”, contou Kobilka.
A despeito desses entraves, ele se mostrou otimista quanto a novas descobertas na área. “Há pesquisas em andamento que estão explorando as regiões de diferença entre os receptores e outras que estão se valendo de células-tronco. Acredito que, em breve, teremos boas notícias.”
O outro lado
O primeiro dia do encontro em Lindau trouxe também promessas, como as pesquisas apresentadas na Aula Mestre mediada pelo biólogo israelense Aaron Ciechanover, laureado com o Nobel de Química de 2004 por elucidar o processo de degradação e reciclagem de proteínas dependentes de ubiquitina.
A química belga Natalie Busschaert, da Universidade de Southampton, na Inglaterra, mostrou como seu trabalho com o transporte de íons negativos (ânions) pode ser uma arma contra a fibrose cística e o câncer. Segundo ela, a fibrose cística, dentre outras patologias, é causada por uma falha no transporte de ânions. Em outros casos, a movimentação desses íons pode acarretar mudanças de pH que levam à destruição de células cancerígenas.
Busschaert projetou uma pequena molécula composta por cinco grupamentos tioureia que formam três braços nos quais o ânion é envolvido. A substância também recebe compostos fluorados, que aumentam sua afinidade com ácidos graxos, como os que compõem a membrana celular, permitindo que a molécula passe por esta.
Em testes com vesículas carregadas com ânion cloreto, a molécula foi capaz de penetrar a membrana, capturar o íon e retirá-lo de lá. Já contra células tumorais, seu transporte conseguiu aumentar o pH intracelular e disparar a apoptose, o processo de morte celular programada. “O transporte dos ânions não altera o pH diretamente, mas como é um processo energético, há necessidade de compensação do íon negativo que sai. Ou seja, algum íon positivo está entrando e efetuando essa mudança”, explicou a química.
Já a bioquímica italiana Francesca Re, da Universidade de Milão-Bicocca, na Itália, relatou sua busca por uma maneira de combater os problemas que levam ao desenvolvimento do mal de Alzheimer, uma doença que afeta 36 milhões de pessoas no mundo. Re decidiu atacar a formação das placas beta amiloides que se acumulam no exterior dos neurônios e que levam à deterioração das funções neurais.
Para isso, a bioquímica desenvolveu nanopartículas compostas de moléculas de ácido fosfatídico capazes de atravessar a barreira hematoencefálica e penetrar o cérebro, onde se encontra o alvo da substância. “Nos testes in vitro, a nanopartícula não só impediu a formação das placas beta amiloides, como também foi capaz de degradar aquelas que já haviam sido formadas”, revelou a bioquímica.
“Testamos também em camundongos transgênicos, nos quais observamos uma redução de 40% no nível dessas placas no cérebro e uma melhora da memória”, comemorou Re, ressaltando que essa fase dos experimentos ainda não está completa.
Fred Furtado*
Ciência Hoje
* O jornalista viajou a Lindau a convite da organização do evento.