Ao analisar dois grupos de crianças – europeias e africanas – levando em consideração a dieta a que são submetidas, muitos apostariam que as do velho continente teriam uma alimentação mais saudável do que as africanas. Certo?
Publicado esta semana na PNAS, um estudo mostrou que pode não ser bem assim. Liderados por Carlotta De Filippo, do Departamento de Farmacologia Pré-Clínica e Clínica da Universidade de Florença, pesquisadores compararam as bactérias intestinais de 14 crianças saudáveis da etnia mossi, do vilarejo de Boulpon, em Burkina Fasso; e de 15 crianças igualmente saudáveis de Florença, na Itália, ambos os grupos com faixa etária entre um e seis anos.
A análise de amostras fecais mostrou que as crianças africanas – cuja dieta é predominantemente vegetariana, baseada em fibras, legumes e cereais – têm a flora intestinal mais rica em microrganismos que ajudam na digestão, e presença menor daqueles associados à obesidade em adultos.
Além disso, detectou-se nelas grande quantidade de ácidos graxos de cadeia curta, conhecidos por protegerem contra bactérias patogênicas.
As crianças do vilarejo de Boulpon têm alimentação rica em cereais, como milho, e em legumes e vegetais. A dieta é marcada pelo alto consumo de carboidratos (polissacarídeos), fibras e proteínas de origem não-animal. Hábitos alimentares que não mudaram muito desde o surgimento da agricultura, cerca de 10 mil anos atrás.
O isolamento da aldeia, distante de áreas urbanas, foi decisivo para que a população mantivesse esses hábitos, bem diferente do que aconteceu com as crianças italianas. Com alimentação pobre em fibras e rica em gordura, açúcar e proteína animal, sua saúde leva desvantagem em relação ao primeiro grupo.
Microrganismos importantes
As amostras indicaram que as crianças italianas têm uma menor variedade de microrganismos intestinais – apontados pelo estudo como “um órgão essencial que ajuda a digerir o alimento e proteção contra patógenos e inflamação”.
A hipótese levantada é de que o consumo de açúcar, gordura animal e alimentos altamente calóricos – ou seja, uma dieta tipicamente ocidental – esteja por trás dessa diferença. Esses alimentos poderiam limitar o potencial adaptativo dos microrganismos no intestino.
Do outro lado, os microrganismos intestinais das crianças africanas teriam evoluído com a exposição a uma grande variedade de micróbios do ambiente e com uma dieta rica em fibras – permitindo maior ganho de energia com a ingestão dos polissacarídeos, bem como proteção contra inflamações e doenças infecciosas do cólon.
“A redução na riqueza microbiana pode ser um dos efeitos indesejáveis da globalização e do consumo de alimentos genéricos e não-contaminados”, diz a pesquisa em relação à era do consumo industrializado. Uma perda que talvez possa ser reparada com a diminuição de fritas, pizzas e outras guloseimas.
Debora Antunes
Ciência Hoje On-line