Oficina de arte da Idade da Pedra

O gosto do homem pela arte e sua habilidade de combinar substâncias para colocá-la em prática são bem mais antigos do que pensavam os arqueólogos. É o que mostra a descoberta, em Cape Town, África do Sul, de uma oficina de 100 mil anos usada para produzir e armazenar ocre, o mais primitivo pigmento conhecido, feito à base de terra.

O achado, de uma equipe de arqueólogos sul-africanos, franceses, australianos e noruegueses, é destaque da Science Express desta semana. Antes da escavação da oficina, na caverna de Blombos, o mais antigo uso do ocre documentado era de 60 mil anos atrás.

Na oficina de arte pré-histórica, os pesquisadores encontraram dois “kits de ferramentas” de pintura, cada um composto basicamente por uma concha recheada de ocre, faixas de couro, martelos de sílex (tipo de rocha), pilões de pedra rústicos e ossos canídeos em forma de colher.

A descoberta revela que os primeiros Homo sapiens já tinham um comportamento cultural complexo

Os pesquisadores acreditam que o ocre era produzido para fins simbólicos e rituais, como decoração de corpo, roupas e artefatos, e também para fins práticos, como a proteção da pele contra o Sol.

Embora os usos exatos do pigmento sejam apenas especulações, para o líder da pesquisa, o arqueólogo Christopher Henshilwood, da Universidade de Witwaterstand, na África do Sul, a descoberta é um marco na história da evolução do pensamento humano, pois revela que os primeiros Homo sapiens já tinham um comportamento cultural complexo.

“A fabricação e o armazenamento de pigmentos demonstram que os humanos do Paleolítico Médio tinham a habilidade conceitual para criar e planejar a longo prazo elementos fundamentais para o desenvolvimento da cultura”, afirma.
 

Químicos das cavernas

Análises em laboratório revelaram que o ocre encontrado dentro das conchas era formado por dois tipos de terra, quartzo e fragmentos de ossos de mamíferos queimados.

Os arqueólogos especulam que, para fabricar o pigmento, os antigos humanos friccionavam os pedaços de terra em lajes de quartzo até virarem pó. Então, acrescentavam ossos queimados ao material e voltavam a amassar com martelos e moedores de pedra. A gordura do interior dos ossos era o que dava liga à tinta.

Pedra e concha pré-histórica
Os ‘Homo sapiens’ usavam conchas (à direita) para guardar a tinta rústica ocre e pedras (à esquerda) para amassar a terra de que é feito o pigmento. (foto: Grethe Moell Pedersen)

Segundo outro arqueólogo envolvido no estudo, Francesco d’Errico, da Universidade de Bordeaux, na França, a riqueza dessa mistura revela ainda a capacidade que os primeiros humanos tinham de combinar elementos químicos.

“Acreditamos que eles eram perfeitamente capazes de avaliar o potencial de cor de diferentes minerais, procurar por eles na paisagem e prever as propriedades do composto de pigmentação que iriam produzir”, diz. “É incrível, mas essas populações já tinham pensamento simbólico e conhecimentos elementares de química!”

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Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line

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