A boa aparência dos salames depende do emprego adequado de microrganismos em sua produção (foto: SXC).
Produto de origem italiana, o salame é muito usado como acompanhamento de queijos e vinhos, e sua produção artesanal é bastante apreciada no Brasil. Por questões históricas e culturais, os métodos de fabricação do alimento são muitos e variam de uma região para outra. Como nem todos são adequados, há riscos de contaminação.
“Para que o produto final seja próprio para consumo, o processo de produção deve empregar certos microrganismos em condições ambientais favoráveis, o que nem sempre acontece”, afirma o biólogo Osmar Dalla Santa, do Departamento de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro), em Guarapuava (PR).
Em sua tese de doutorado, defendida no Programa de Pós-graduação em Tecnologia de Alimentos da Universidade Federal do Paraná, Dalla Santa analisou várias amostras de salames produzidos artesanalmente no país. Ele constatou, quanto às características microbiológicas, que 24% das amostras estavam em desacordo com as normas estabelecidas no Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Salame, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Quanto aos atributos físico-químicos (umidade, quantidade de proteínas, gorduras e carboidratros), só 46% das amostras obedeciam aos valores fixados no regulamento.
A má qualidade do produto tem impacto negativo não só do ponto de vista econômico – uma vez que sua ‘vida de prateleira’ fica reduzida –, podendo também causar sérios danos à saúde do consumidor. “Como a contaminação não pode ser revertida, o descarte do produto é inevitável”, diz o biólogo da Unicentro. Outro sério problema apontado pelo pesquisador é que a atividade dos microrganismos nem sempre provoca alterações imediatas ou mesmo perceptíveis no produto.
Segredos da produção segura
Em 2000, o Mapa publicou uma instrução normativa estabelecendo as características dos salames. Por definição, o produto deve ser curado (deixado em repouso para desidratar), fermentado, defumado, podendo ou não ser dessecado. Para garantir um produto final de qualidade, o processo de produção do alimento requer o emprego de diversos microrganismos: bactérias lácticas, bactérias da família Micrococcaceae e determinadas espécies de fungo.
O processo de fermentação depende de bactérias lácticas, que metabolizam os açúcares da carne e produzem ácido lático. A queda de pH daí resultante diminui a ação de microrganismos patogênicos, que deterioram o produto. Já as bactérias da família Micrococcaceae produzem substâncias que garantem a qualidade final do salame (textura, sabor e cor). Por fim, os fungos que se formam em torno do produto o protegem da luz, evitando que a gordura da carne se deteriore.
Para não perder o controle sobre as atividades dos microrganismos, alguns fabricantes encomendam culturas especialmente preparadas para a produção de salames. São as chamadas culturas starter, cujos microrganismos são selecionados de modo a não competir uns com os outros e, assim, tornar a produção mais eficiente.
“Os salames artesanais são elaborados sem a adição de culturas starter e em condições ambientais não controladas”, alerta Dalla Santa. Em sua pesquisa ele constatou que o produto nem sempre está contaminado, mas os riscos de que isso ocorra são consideráveis. O pesquisador lembra que o uso adequado de microrganismos não reverte uma contaminação anterior, que pode ocorrer no abate ou na manipulação da carne.
Difundir o conhecimento sobre as condições adequadas de abate, processamento e manipulação de carne é o primeiro passo para reduzir perdas econômicas e riscos para a saúde. “Hoje, a totalidade das indústrias de carne brasileiras usam o starter importado”, informa Dalla Santa. Uma produção nacional dessas culturas as tornaria mais acessíveis e melhorariam a qualidade dos salames artesanais.
Guilherme de Souza
Especial para Ciência Hoje On-line/ PR
09/06/2008