Os primatas são a chave

 

O debate sobre o nascimento da linguagem sempre esbarrou em uma pergunta: os mecanismos cerebrais que permitiram seu desenvolvimento surgiram nos humanos ou em estágios anteriores da evolução? Cientistas portugueses, ingleses e norte-americanos foram buscar a reposta no cérebro dos primatas. A pesquisa, publicada em julho na Nature Neuroscience , revelou que os macacos já possuem alguns dos mecanismos cerebrais que permitiram aos humanos desenvolver essa capacidade.

O monitoramento do cérebro de macacos reso ( Macaca mulatta ) pode ajudar a entender como surgiu a linguagem humana (foto: Marc Hauser / Universidade Harvard). 

Os primatas não-humanos não possuem linguagem propriamente dita, mas são capazes de conviver socialmente com a ajuda de um extenso repertório de sons, chamados de vocalizações. Essas vocalizações são próprias a cada espécie e trazem informações cruciais para a sobrevivência, como a identidade de cada animal e seu estado emocional, além de alertar contra predadores. Funcionam, no fundo, como uma linguagem, pois conferem sentido a um padrão arbitrário de sons.

Já no cérebro humano, que possui capacidade de comunicação pela linguagem, há uma subdivisão associada com a compreensão e produção da mesma, chamada de região perisilviana. Macacos também possuem uma região cerebral similar à perisilviana, porém sua função nunca havia sido compeendida pela ciência. Até que esse grupo de pesquisadores optou por estudar o cérebro de uma espécie de primata atual – o macaco reso ( Macaca mulatta ).

A equipe do português Ricardo Gil-da-Costa, pesquisador do Instituto Gulbenkian de Ciência (Portugal) e dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH), selecionou alguns desses animais para uma experiência de monitoramento cerebral. O intuito era reconhecer qual área do cérebro era ativada quando o macaco escutava vocalizações emitidas por outros indivíduos da sua espécie.

Vocalizações e sons aleatórios
Os animais foram expostos em laboratório a dois tipos de sons. O primeiro reproduzia gritos e chiados comumente emitidos por indivíduos daquela espécie e que possuíam significado social. O segundo, barulhos de instrumentos musicais ou de computador, que nada queriam dizer a eles. Por meio de um tipo de tomografia capaz de identificar isótopos radioativos injetados na corrente sangüínea do animal, os cientistas puderam rastrear o caminho percorrido pelo sangue dentro do cérebro enquanto ele ouvia os diferentes estímulos sonoros.

Quando os macacos escutavam os barulhos comuns a sua espécie e que tinham função comunicativa, a área cerebral para onde o sangue fluía, ou seja, a que estava mais ativa, era a região correspondente à perisilviana. O mesmo não ocorria quando os macacos ouviam sons aleatórios. Os pesquisadores concluíram que a região perisilviana exerce a mesma função nos macacos reso que nos seres humanos.

“Isto sugere que os antepassados comuns a esses primatas e aos humanos, que existiram há aproximadamente 25 a 30 milhões de anos, já possuíam o conjunto de áreas cerebrais que mais tarde poderão ter sido recrutados para o desenvolvimento de linguagem em humanos”, explica Ricardo Gil-da-Costa em entrevista à CH On-line .

Ainda há muito caminho a trilhar, no entanto, até que se esclareça totalmente como e quando emergiu a linguagem articulada humana. “Este tipo de estudo da linguagem em primatas deverá ser mais explorado, não só através da investigação de outros tipos de estímulos auditivos e visuais, mas também com a contínua associação de várias técnicas de estudo cerebral”, acredita Gil-da-Costa.  

Juliana Tinoco
Ciência Hoje On-line
15/08/2006