Os segredos do príncipe persa de todas as ciências

A versatilidade intelectual do persa Ibn Sînâ, conhecido no Ocidente como Avicena (980-1037), lhe rendeu o título de ‘Príncipe de todas as ciências’. Ele teve fundamental importância no campo da medicina, que até o século 17 se desenvolveu com base em suas teorias (deixadas em obras famosas como o Cânon de medicina ) e nas de Hipócrates e Galeno. Avicena foi também um importante filósofo — seu papel nesse campo chegou a ser comparado ao de Aristóteles. Um lançamento recente permite ao leitor brasileiro entrar em contato com seu pensamento: Avicena – a viagem da alma , da filósofa Rosalie Helena de Souza.

A ‘viagem’ proposta pela autora tem como ponto de partida o resgate do pensamento árabe medieval, na figura de seu maior expoente — Avicena. Rosalie apresenta temas recorrentes em sua filosofia e sua recepção no Ocidente latino. Entre eles, está o conceito de conhecimento ou ‘viagem interior’, que ela analisa sob duas óticas. O volume traz ainda a tradução de um texto de Avicena, para que o leitor, já familiarizado com os principais conceitos da filosofia árabe, faça sua interpretação.

A filosofia de Avicena nasce em parte graças ao seu envolvimento com a medicina: aos 16 anos, recebeu a proteção de um sultão quando o livrou de uma doença supostamente incurável. Sua maior recompensa foi o acesso à biblioteca dos samânidas (que governavam a Pérsia), onde leu Porfírio, Ptolomeu e Aristóteles.

Aos 21 anos compôs sua primeira obra, O compêndio , um estudo das principais ciências daquele tempo: física, metafísica, ética, economia e política, com exceção da matemática. Em seguida, escreveu uma obra sobre a jurisprudência do Corão e um tratado ético. Em 999 os samânidas perderam o trono para os turcos e Avicena iniciou sua peregrinação pela Pérsia. O único registro sobre sua trajetória de vida é Autobiografia , ditada por ele a um discípulo que o acompanhou por 25 anos.

Nascido em Afshana, cidade próxima à Bukhara (atual Irã), aos dez anos sabia gramática, teologia e recitava o Corão de cor. Logo se destacou e ganhou a vida com os serviços prestados aos nobres: foi médico, vizir e consultor para assuntos políticos. Viveu uma época conturbada da história árabe marcada por instabilidade política e perseguições constantes — passou anos foragido, chegou a ser preso e teve muitas de suas obras queimadas e roubadas.

Avicena andava acompanhado de discípulos com os quais virava noites em “intermináveis discussões filosóficas”. As oficinas noturnas renderam cerca de cem obras médicas e filosóficas, das quais a mais famosa é O livro da cura , uma reflexão sobre física, metafísica e lógica.

Em decorrência do panorama político, Avicena foi obrigado a acompanhar em uma guerra o príncipe Ala al-Dawla, a quem serviu nos últimos 14 anos de sua vida. Ficou doente e, com medo de ser deixado para trás, tomou em excesso um medicamento que lhe provocou uma úlcera intestinal. Morreu aos 58 anos em Hamadan (atual Irã), onde seu túmulo pode ser visitado até hoje.

 

Avicena: A viagem da alma
Rosalie Helena de Souza Pereira
São Paulo, 2002, Perspectiva/Fapesp
351 páginas – R$ 40

Maria Ganem
Ciência Hoje on-line
02/05/03