Ouvido cheio de energia

Um aparelho eletrônico que não precisa ser ligado na tomada, nem exige pilhas ou baterias. Parece ficção científica, mas esta é a definição de um chip que está sendo desenvolvido pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês) em parceria com a Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Implantado em um porquinho-da-índia, o dispositivo monitora a audição do animal e se alimenta da energia produzida por uma fonte curiosa: o próprio ouvido do roedor.

Segundo os autores do estudo, publicado no início do mês na revista Nature Biotechnology, a cóclea – estrutura da parte interna do ouvido – produz a corrente elétrica mais alta gerada pelo corpo de um mamífero. Nomeada ‘potencial endococlear’, essa energia permite o bom funcionamento do sistema auditivo, mas usá-la para outros fins é um grande desafio. “Nossa estratégia foi construir um chip que consumisse uma fração bem pequena de energia”, explica Anathan Chandrakasan, coautor da pesquisa e engenheiro no MIT.

“O chip é pequeno o suficiente para ser implantado em um ouvido humano e pode, no futuro, monitorar a audição de pessoas que fazem tratamento contra surdez”

A tecnologia testada no experimento consiste basicamente na conexão de eletrodos à cóclea do roedor, por meio de um chip. Inicialmente, uma fonte externa de energia alimenta o dispositivo por dois segundos, dando o pontapé inicial para o seu funcionamento. Depois, essa corrente cessa e o chip passa a extrair um nanowatt da energia produzida no ouvido do animal – bem pouco comparado aos cinco watts exigidos por alguns celulares.

O pequeno gasto de energia é recompensado pela eficiência do chip. De tempos em tempos, em intervalos que duram entre 40 e 360 segundos, o dispositivo transmite para um receptor externo informações sobre o potencial endococlear do roedor.

Durante cinco horas, os pesquisadores puderam monitorar o funcionamento do sistema auditivo do porquinho-da-índia. “O chip é pequeno o suficiente para ser implantado em um ouvido humano e pode, no futuro, monitorar a audição de pessoas que fazem tratamento contra surdez”, revela Chandrakasan.

Papel da cóclea

Descoberto há 60 anos, o potencial endococlear tem papel crucial no funcionamento do sistema auditivo. Quando as ondas sonoras penetram o ouvido, sua vibração faz com que os dois líquidos que preenchem a cóclea atinjam diferentes concentrações dos íons sódio e potássio, o que provoca uma descarga elétrica. “A onda sonora é uma energia mecânica que, na cóclea, se transforma em energia elétrica e segue até o cérebro para que este identifique o som que o animal está ouvindo”, explica Konstantiva Stankovic, coautora da pesquisa e médica na Universidade Harvard.

Stankovic explica que, após o implante do chip, os roedores foram submetidos a testes de audição e os cientistas não identificaram possibilidades de surdez nos animais. “O sistema auditivo não foi prejudicado porque o chip usou uma quantidade muito pequena do potencial endococlear e os eletrodos foram projetados para não danificar as células da cóclea”, explica.

Porquinho-da-índia
Os porquinhos-da-índia possuem o sistema auditivo parecido com o dos humanos e não tiveram a audição prejudicada segundo testes feitos após a implantação do chip. (foto: Flickr/ Giulia van Pelt – CC BY-NC-ND 2.0)

Apesar da potencial aplicação em humanos, novos avanços precisam ser feitos ao dispositivo para que ela se concretize. “Nosso objetivo foi criar um chip que funcionasse de maneira autônoma, mas ainda é preciso diminuir mais seu tamanho e fazer novos testes”, completa Chandrakasan.

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Mariana Rocha
Especial para a CH On-line