Para além do rostinho do bebê

A ultrassonografia tridimensional (3D) mata a curiosidade dos pais ao permitir que eles conheçam o rosto do próprio filho antes mesmo do nascimento. Mas o seu uso pode ir além. Estudo mostra que a técnica também pode ser útil para o diagnóstico de doenças.

Durante o doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o obstetra Guilherme Rezende analisou o uso da ultrassonografia 3D na identificação da forma letal da hipoplasia pulmonar durante o período pré-natal.

A doença ocorre quando os pulmões do feto não se desenvolvem adequadamente e, por isso, apresentam peso e tamanho diminuídos. Ela é letal quando esses órgãos não conseguem assumir a função respiratória depois do nascimento do bebê.

A hipoplasia pulmonar pode ser diagnosticada por meio de exames clínicos e radiológicos e, nos casos letais, também através da necropsia. No entanto, segundo Rezende, ainda não é possível fazer o diagnóstico durante o pré-natal e as tentativas estão restritas aos centros de pesquisa.

“Saber se a hipoplasia pulmonar resultará na morte do feto no período pré-natal é importante para preparar os pais e não criar expectativas”

“Saber se a hipoplasia pulmonar resultará na morte do feto no período pré-natal é importante para preparar os pais e não criar expectativas, mas também para preparar a equipe médica que irá atuar no pré-natal e durante o parto e evitar gastos desnecessários”, afirma.

Rezende estudou fetos que corriam o risco de desenvolver a doença em decorrência de outras complicações durante o desenvolvimento fetal, como malformação óssea, hérnia do diafragma e anomalias renais e do trato urinário. Nesses fetos, o ultrassom 3D foi capaz de prever a ocorrência de hipoplasia pulmonar letal em 88,2% dos casos.

“Se o resultado do exame 3D for positivo, a probabilidade de o feto realmente apresentar a doença é 11 vezes maior do que a de não apresentar”, explica Rezende. Segundo ele, são considerados bons exames diagnósticos aqueles nos quais essa probabilidade é pelo menos 10 vezes maior – medida que recebe o nome técnico de verossimilhança positiva.

Etapa inicial

A partir do exame tridimensional, Rezende calculou o volume pulmonar de cada um dos 47 fetos estudados. Destes, 31 apresentaram valores abaixo do esperado para a idade gestacional e, portanto, foram diagnosticados positivamente para a hipoplasia pulmonar letal.

Depois dos nascimentos, ele conferiu os diagnósticos e encontrou cinco erros: entre os resultados havia um falso-positivo e quatro falso-negativos. “Para que o método seja utilizado, não se pode ter falso-positivos; eu não posso dizer que o feto tem a forma letal da doença e ele não ter”, ressalta Rezende.

Esse requisito foi preenchido por outro parâmetro testado pelo pesquisador: a razão entre o volume pulmonar e o peso fetal estimado. Nesse caso, a taxa de falso-positivo foi igual a 0%.

Imagens tridimensionais de pulmões fetais
Imagens tridimensionais de pulmões fetais. A da esquerda representa o volume de um pulmão normal e a da direita, o de um feto com hipoplasia pulmonar, com tamanho e formato alterados. (imagens cedidas por Guilherme Rezende)

Apesar do resultado promissor, ele ressalta que a quantidade de fetos analisados é muito pequena e que outros estudos são necessários para avaliar a utilização desses parâmetros no diagnóstico da forma letal da doença.

2D ou 3D?

O obstetra também avaliou ultrassonografias bidimensionais (2D) dos mesmos fetos para comparar a eficácia das duas técnicas no diagnóstico da hipoplasia pulmonar. Na comparação, o ultrassom 3D saiu ganhando.

Entre os resultados obtidos através do exame 2D, os melhores valores de sensibilidade e verossimilhança positiva foram de 53% e 3,4, respectivamente. Na ultrassonografia 3D, ambos os valores foram mais altos: 88,2% e 11,5.

O obstetra explica que o uso do ultrassom 3D tem se mostrado mais eficaz quanto menor e mais irregular é o pulmão, características que prejudicam a obtenção de medidas pelo exame 2D.

O uso do ultrassom 3D tem se mostrado mais eficaz quanto menor e mais irregular é o pulmão, características que prejudicam a obtenção de medidas pelo exame 2D

Rezende enumera outras vantagens. Como a varredura no exame 3D é automática, o resultado é mais uniforme do que o resultado do exame bidimensional, no qual a interferência do operador é maior. Essa característica facilita a análise dos resultados por outros médicos, caso haja necessidade.

Outro aspecto positivo é a maior quantidade de informação contida no exame tridimensional (a imagem final é composta por um conjunto de imagens bidimensionais), o que amplia as possibilidades de trabalho.

No entanto, em outras situações, a análise 3D pode não apresentar vantagens em relação à 2D, como em casos de malformação óssea e anomalias do trato urinário. Apesar de em ambos ocorrer a redução de tamanho dos pulmões, não há deformação dos órgãos e, portanto, o exame tridimensional não adiciona informações relevantes ao bidimensional.

Rezende explica que a hipoplasia pulmonar letal também parece estar relacionada a uma alteração funcional dos pulmões, e não somente ao tamanho reduzido. Por isso ele defende a combinação do exame 3D com uma avaliação da vascularização desses órgãos. Juntas, essas análises poderiam aumentar a eficácia da previsão da doença.

Joyce Santos
Ciência Hoje On-line