Pesquisadores brasileiros constataram que o material genético do parasita causador da doença de Chagas pode ser transferido para o genoma do hospedeiro. Os cientistas também descobriram que esse DNA do animal infectado integrado ao do Trypanosoma cruzi pode ser transmitido hereditariamente, ao menos em galinhas. O estudo, publicado em 23 de julho na revista Cell , sugere ainda que o mesmo mecanismo também funciona em pacientes humanos.
A equipe de Antonio Teixeira, da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB), inoculou o parasita em coelhos, que desenvolveram a doença. Os animais infectados foram divididos em dois grupos: o primeiro foi medicado com o mesmo tipo de drogas utilizadas em humanos e o segundo não recebeu o tratamento. “No grupo tratado, o medicamento fez com que os parasitas desaparecessem do sangue dos coelhos infectados”, explica Teixeira. “No entanto, os sintomas da doença persistiam nesses animais.”
Os pesquisadores consideraram então a possibilidade de que o DNA do T. cruzi ficasse ‘retido’ no dos animais infectados, o que explicaria a manifestação dos sintomas na ausência do protozoário. “Verificamos que o DNA do parasita se incorporava ao genoma do hospedeiro em sítios específicos”, explica Teixeira.
A equipe resolveu então testar se esse DNA modificado era transmitido para as próximas gerações. Como cobaias, foram usadas aves, que são refratárias à infecção por T.cruzi . O parasita foi inoculado em ovos férteis de galinha um dia após a postura. Quando os pintos nasceram, tinham retido apenas o kDNA do parasita; as mutações foram herdadas nas gerações seguintes.
“O surpreendente foi que o DNA mitocondrial do parasita (kDNA) permanecia associado ao genoma do hospedeiro em 25% das aves testadas, o que causou nelas lesões graves”, revela Teixeira. As cobaias apresentaram uma doença muscular que enfraquecia a sustentação do esqueleto. “As aves transgênicas faleceram com os corações grandes, semelhantes aos de mamíferos que morrem em conseqüência do mal de Chagas.”
Os pesquisadores verificaram a transferência do DNA do T. cruzi também para hospedeiros humanos. Foram encontrados trechos do DNA parasitário em glóbulos brancos de células de 13 pacientes com infecção crônica de Chagas. “O DNA exógeno foi encontrado em cinco cromossomos humanos diferentes”, explica Teixeira.
O portador da doença de Chagas tem a infecção ao longo da vida, que funciona como uma fonte de kDNA para integração no genoma. Ainda não foi demonstrado, no entanto, se o kDNA incorporado em humanos pode ser herdado pelo mesmo mecanismo verificado em animais de laboratório.
A incorporação do kDNA em mamíferos e as mutações herdadas pelas aves geraram modificações no genoma dos hospedeiros. Essas alterações levaram à síntese de proteínas anormais, chamadas quiméricas. “Essas proteínas, que diferem dos padrões estabelecidos pelo organismo em questão, são antígenos que podem estimular a rejeição do coração e outros tecidos pelo sistema de defesa do próprio corpo”, conta Teixeira. A equipe de UnB está envolvida agora com a identificação dessas quimeras.
“Esse estudo corresponde a uma nova frente de trabalho na busca pela cura da doença”, avalia Teixeira. “A demonstração da incorporação do DNA do T. cruzi ao genoma dos animais infectados esclarece vários aspectos da relação parasita-hospedeiro e do mecanismo de rejeição que produz as lesões da doença de Chagas. Conhecendo os mecanismos de transferência genética, poderemos usar drogas inibidoras e controlar essa incorporação.”
Renata Moehlecke
Ciência Hoje On-line
30/07/04